FOLHA DE SP - 13/02
SÃO PAULO - Podemos levar a história a sério? Até que ponto devemos acreditar que os relatos históricos que lemos nos livros descrevem as coisas como se passaram? Em que grau podemos confiar nas explicações que nos são oferecidas?
A história não é uma ciência no mesmo sentido em que o é a física ou até a economia. Ela não apenas é incapaz de nos dar um modelo por meio do qual possamos fazer previsões como ainda traz a incrível propriedade de tornar o próprio passado incerto.
Quando eu era garoto, o duque de Caxias era o herói inconteste da Guerra do Paraguai (1864-70). Nos anos 90, tornou-se um genocida furioso e, agora, está em algum lugar entre essas duas interpretações.
Tamanha elasticidade é possível porque o cérebro humano não foi concebido para fazer história. Qualquer evento histórico é fruto de um número tão grande de interações entre pessoas e ocorrências (climáticas, econômicas etc.) que é simplesmente impossível calculá-las. Só que nossas mentes não se acanham diante da intratabilidade do problema e adotam sua hipótese preferida como eixo explicativo, ignorando tudo que não se encaixe nela. A história é necessariamente refém de nossos gostos, preferências, condicionamentos, isto é, de nossa ideologia.
Isso significa que não há como evitar o vale-tudo na hora de apresentar e interpretar eventos? Calma lá. A frouxidão epistêmica da história não deve servir para acobertar mentiras ou omissões gritantes. Fatos ainda são fatos. O material didático adotado pelo Exército em suas escolas caminha perigosamente perto da falsificação, ao sugerir que a deposição de João Goulart se deu dentro da lei ou deixar de mencionar a tortura.
Eu concordo com Vinicius Mota, que escreveu neste espaço que não é o caso de criar novas comissões para controlar o conteúdo de livros. Ainda assim, temos o dever moral de apontar crimes de lesa-historiografia sempre que topamos com eles.
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