REVISTA VEJA
A inflação era em grande pane alimentada pela correção monetária. Imaginada para casos restritos, como o dos títulos do Tesouro, essa correção se entranhou nos preços, salários e contratos. Choques como uma quebra de safra se propagavam no sistema de preços e elevavam o patamar da inflação. O processo se acelerava sempre que o período de correção diminuía. Em 1980, quando o reajuste dos salários passou de anual a semestral, a inflação, medida pelo IGP-DI da Fundação Getulio Vargas., saltou de 77,29% para 110,25%.
Na década anterior, o país havia sofrido dois choques do petróleo (1973 e 1979), cujo preço quadruplicou. Na área do crédito, em 1980. o Federal Reserve elevou brutalmente os juros americanos para enfrentar um grave surto inflacionário. Isso impactou a nossa dívida externa, que subira por causa das compras de petróleo (importávamos 80% do que consumíamos) e do financiamento para o plano de desenvolvimento do governo Geisel (1974-1979).
Em 1982, os credores levaram um susto com a tresloucada invasão das Ilhas Malvinas pelos militares argentinos. A confiança na América Latina caiu e em seguida piorou diante da moratória mexicana. Em pânico, os bancos suspenderam o crédito à região, o que contribuiu adicionalmente para quedas no investimento e na atividade econômica. O Brasil buscou o apoio financeiro do FMI para ajustar-se à nova realidade. Era preciso começar a rever o modelo, o que implicava reduzir gastos, privatizar e abrir a economia (processo que se acelerou nos governos Collor e Fernando Henrique).
A esquerda esquecia esses infortúnios, apontava suas armas para o FMI e assim fustigava o regime militar, cuja legitimidade caía com a crise. Apesar das evidências em contrário, o mito da culpa do FMI ficou e ainda guia o raciocínio de muita gente. Basta ler o discurso da presidente Dilma na Espanha na Cúpula Ibero-Americana (17/11/2012).
Lá, a título de transmitir nossas lições aos europeus, ela disse que os governantes da época, "aconselhados pelo FMI, acreditavam, erradamente, que apenas com drásticos e fones ajustes fiscais poderíamos superar com rapidez as gravíssimas dificuldades econômicas e sociais". Mais. "o Brasil estagnou, deixou de crescer e tornou-se um exemplo de desigualdade social". Acontece que o ajuste fiscal não foi forte. A desigualdade, já existente, piorou com a inflação. As causas da desaceleração da economia foram outras.
Outro mito daquela época dizia que os juros altos levavam o setor privado a aplicar no mercado financeiro em lugar de investir. Empresários secundavam a tolice. Agora, o ministro da Fazenda ressuscitou esse mito. Para ele, com a queda dos juros as empresas vão deixar as aplicações financeiras e “migrar para os ativos produtivos". O erro aqui é imaginar que altas taxas de juros superam as motivações para o investimento produtivo. O empresário não olharia a necessidade de atualizar processos tecnológicos e manter participação no mercado nem se influenciaria pelo que Keynes denominou de "instinto animal".
A queda do investimento nos anos 1980 esteve associada às respectivas incertezas e à deterioração do ambiente de negócios provocada pela crise da dívida e pela inflação. Se a interpretação valesse, o melhor para os empresários teria sido vender as empresas e investir no mercado financeiro, o que jamais aconteceu. Curiosamente, ao contrário do que agora pensa o ministro, a taxa de investimento caiu em todos os trimestres posteriores ao início da redução da taxa de juros pelo Banco Central (agosto de 2011).
Os redatores dos discursos presidenciais e o ministro poderiam buscar entender melhor a crise dos anos 1980 e o que influencia as decisões de investir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário