Ser contra contas de luz mais baratas e como ser contra a queda de impostos, a paz no mundo e a cura do câncer. São coisas contra as quais ninguém se insurge — elas interessam a todos. Algumas empresas, como as fábricas de alumínio, têm 35% de seus custos na conta de luz. Os consumidores domésticos, tenham ou não uma atividade comercial em casa, vão embolsar tudo o que economizarem com a conta mensal. As discordâncias começam no momento de definir o modo de tornar realidade o desconto. No plano de reduzir as tarifas elétricas em 20%, o governo federal escolheu a pior maneira de fazê-lo — a imposição. Ao tentar impor o poder do estado para forçar uma baixa nas tarifas de eletricidade, ignorou as causas do problema e desprezou as consequências de sua ação. Mas, se os resultados não foram os previstos, o plano rendeu outros dividendos. Diante da recusa de adesão de governadores do PSDB, o governo enxergou uma oportunidade de ouro para emparedar os tucanos, seus prováveis adversários na disputa presidencial de 2014. A defesa da causa ficou para o senador mineiro Aécio Neves, na semana passada quase ungido candidato do PSDB á Presidência da República pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Aécio acusou o governo federal de revelar seu "vezo autoritário” ao anunciar o plano de redução das tarifas de eletricidade.
Assim que assumiu seu posto, a presidente Dilma Rousseff estipulou como metas de governo a diminuição do preço da energia. Da mesma forma que a queda nas taxas de juros e o aumento na cotação do dólar, o barateamento no custo da eletricidade era uma das alavancas com as quais ela pretendia dar mais alento à indústria nacional. Tratava-se, e ainda se trata, de uma necessidade fundamental para o país. O Brasil tem hoje uma das tarifas de luz mais altas do mundo. Isso se deve, essencialmente, aos impostos e encargos que recaem sobre o setor. Em uma conta de 1000 reais, apenas 550 reais representam o custo da energia propriamente dito. Os outros 450 reais servem para pagar impostos federais (PIS e Cofins), estaduais (ICMS) e uma cascata de encargos, como o do investimento em energias alternativas e o subsídio para consumidores de baixa renda. Nos estudos que a presidente encomendou à sua equipe para viabilizar a diminuição das tarifas. 20% era a meta estabelecida.
Em setembro, o plano veio a público. O projeto previa que a maior pane da redução das tarifas, em vez de vir do cone de impostos ou encargos, sairia da conta das empresas de geração de energia, que operam as usinas hidrelétricas. Na avaliação do governo, as usinas mais antigas, cujos investimentos já teriam sido amortizados, não precisariam ser remuneradas como se fossem novas. Poderiam, portanto, cobrar menos. Em troca, teriam os contratos de concessão renovados antecipadamente. A Eletrobras, estatal sob controle federal, atendeu prontamente à determinação da presidente. Mas as empresas públicas de quatro estados anunciaram na semana passada que não iriam aderir ao plano por considerar inaceitáveis as condições impostas pelo governo: a Cemig (de Minas Gerais), a Cesp (de São Paulo), a Copei (do Paraná) e a Celesc (de Santa Catarina). As três primeiras permanecem a estados comandados pelo PSDB: a última, a um estado governado pelo PSD. As empresas fizeram suas contas e chegaram à conclusão de que os valores propostos pelo governo seriam insuficientes para cobrir os custos operacionais das usinas e também, é óbvio, para fazer investimentos futuros e remunerar os acionistas.
O presidente da Cesp, Mauro Arce, por exemplo, informou que o custo operacional das usinas de Três Irmãos, Jupiá e Ilha Solteira gira ao redor de 270 milhões de reais ao ano. Nos termos do projeto de Dilma, elas receberiam 184 milhões de reais ao ano — ou seja, um valor abaixo de suas despesas. "O governo federal quer ficar com a luz, mas deixar a conta para nós", diz o secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal. A Cemig calcula que teria perdas da ordem de 4 bilhões de reais ao ano. Em alguns contratos, os valores médios de energia cairiam de 100 reais por quilowatts-hora para 27 reais — um tombo de 73%. "Com esses valores, não se pode operar em condições mínimas de segurança e qualidade, muito menos investir no futuro da empresa", diz um diretor da Cemig.
O embate acabou virando pano de fundo para o primeiro confronto público entre a presidente Dilma Rousseff e o tucano Aécio Neves. O senador fez sua entrada no ringue um dia depois de Fernando Henrique Cardoso, em mais uma descoordenada ação do PSDB. afirmar em um seminário para 700 prefeitos do partido que "o Aécio não precisa de convenção, de nada. Será ungido candidato". Nos últimos meses, FHC já vinha fazendo uma espécie de "road-show" discreto com o senador, visitando empresários e industriais. O ex-presidente iniciava as conversas sempre com a frase: "Estamos dando início ao projeto Aécio 2014". Na segunda quinzena de agosto, por exemplo, a dupla teve encontros em São Paulo com os donos de dois dos maiores bancos privados do Brasil. Mesmo assim, da forma como foi feito, o "anúncio" do ex-presidente pegou o próprio Aécio de surpresa. "Não é esse o momento ainda", disse o senador. No dia seguinte, porém, Aécio engrossou a voz — e o assunto escolhido foram as tarifas elétricas: "O PSDB repudia da forma mais veemente a tentativa de alguns setores do PT de politizar uma questão extremamente séria e estratégica para o país. Séria para as famílias consumidoras de energia e estratégica para a produção brasileira. Lamentavelmente, o viés autoritário do governo mais uma vez se faz presente", afirmou.
As contas de luz têm se mostrado um instrumento muito apreciado por governos populistas, como o de Cristina Kirchner. As que os argentinos recebem em casa vêm com uma frase que diz: "Consumo com subsídio do estado nacional”. Ao lado dos dados sobre gastos e valores a ser pagos, vê-se uma tabela que compara os preços pagos pelo cliente argentino com valores cobrados no Brasil, no Uruguai e no Chile. O quadro inclui ainda os preços praticados em províncias argentinas administradas por governadores não alinhados com o governo central. Há cinco anos. Cristina Kirchner mantém as tarifas artificialmente baixas à custa de subsídios, como faz com passagens de ônibus e gás encanado — uma política que os argentinos já apelidaram de "populismo tarifário" e cujo preço são os apagões frequentes, inclusive em Buenos Aires, decorrentes da falta de investimentos no setor.
No Brasil, a reação dos investidores ao plano do governo federal para o setor elétrico deixou claro que, ao contrário do que afirmou o secretário executivo de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, o projeto não desagradou apenas a "meia dúzia de acionistas". Desde a sua apresentação, as ações das empresas da área já perderam, juntas, mais de 30 bilhões de reais em valor de mercado. Trata-se de uma péssima notícia para um país que precisa urgentemente ampliar os investimentos em infraestrutura e, sem condições de fazê-lo com recursos próprios, vai ter de atrair capital privado para os maiores projetos. A Cesp tem 13.000 acionistas privados. A Cemig tem ações negociadas nas bolsas de Nova York e de Madri, além de São Paulo, totalizando 130.000 investidores em quarenta países. Uma maneira segura de despertar nos investidores em infraestrutura o instinto animal de fuga, como diz a Carta ao Leitor desta edição, é exatamente o que o governo federal está fazendo com o setor elétrico. Essa intervenção reafirma a disposição do governo de utilizar estatais como instrumento de política econômica, como faz há algum tempo com a Petrobras, convocada para ajudar a conter a inflação ao custo de sua eficiência. Esse tipo de política já foi utilizado no passado. O resultado foi a perda da capacidade de investimento das empresas e o seu sucateamento, além dos efeitos perversos em toda a economia. O Brasil não é a Argentina e Dilma Rousseff não é Cristina Kirchner. Não há estratégia política ou eleitoral que valha o risco de ceder à tentação populista e espantar os investidores privados de que tanto o Brasil depende para avançar.
Assim que assumiu seu posto, a presidente Dilma Rousseff estipulou como metas de governo a diminuição do preço da energia. Da mesma forma que a queda nas taxas de juros e o aumento na cotação do dólar, o barateamento no custo da eletricidade era uma das alavancas com as quais ela pretendia dar mais alento à indústria nacional. Tratava-se, e ainda se trata, de uma necessidade fundamental para o país. O Brasil tem hoje uma das tarifas de luz mais altas do mundo. Isso se deve, essencialmente, aos impostos e encargos que recaem sobre o setor. Em uma conta de 1000 reais, apenas 550 reais representam o custo da energia propriamente dito. Os outros 450 reais servem para pagar impostos federais (PIS e Cofins), estaduais (ICMS) e uma cascata de encargos, como o do investimento em energias alternativas e o subsídio para consumidores de baixa renda. Nos estudos que a presidente encomendou à sua equipe para viabilizar a diminuição das tarifas. 20% era a meta estabelecida.
Em setembro, o plano veio a público. O projeto previa que a maior pane da redução das tarifas, em vez de vir do cone de impostos ou encargos, sairia da conta das empresas de geração de energia, que operam as usinas hidrelétricas. Na avaliação do governo, as usinas mais antigas, cujos investimentos já teriam sido amortizados, não precisariam ser remuneradas como se fossem novas. Poderiam, portanto, cobrar menos. Em troca, teriam os contratos de concessão renovados antecipadamente. A Eletrobras, estatal sob controle federal, atendeu prontamente à determinação da presidente. Mas as empresas públicas de quatro estados anunciaram na semana passada que não iriam aderir ao plano por considerar inaceitáveis as condições impostas pelo governo: a Cemig (de Minas Gerais), a Cesp (de São Paulo), a Copei (do Paraná) e a Celesc (de Santa Catarina). As três primeiras permanecem a estados comandados pelo PSDB: a última, a um estado governado pelo PSD. As empresas fizeram suas contas e chegaram à conclusão de que os valores propostos pelo governo seriam insuficientes para cobrir os custos operacionais das usinas e também, é óbvio, para fazer investimentos futuros e remunerar os acionistas.
O presidente da Cesp, Mauro Arce, por exemplo, informou que o custo operacional das usinas de Três Irmãos, Jupiá e Ilha Solteira gira ao redor de 270 milhões de reais ao ano. Nos termos do projeto de Dilma, elas receberiam 184 milhões de reais ao ano — ou seja, um valor abaixo de suas despesas. "O governo federal quer ficar com a luz, mas deixar a conta para nós", diz o secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal. A Cemig calcula que teria perdas da ordem de 4 bilhões de reais ao ano. Em alguns contratos, os valores médios de energia cairiam de 100 reais por quilowatts-hora para 27 reais — um tombo de 73%. "Com esses valores, não se pode operar em condições mínimas de segurança e qualidade, muito menos investir no futuro da empresa", diz um diretor da Cemig.
O embate acabou virando pano de fundo para o primeiro confronto público entre a presidente Dilma Rousseff e o tucano Aécio Neves. O senador fez sua entrada no ringue um dia depois de Fernando Henrique Cardoso, em mais uma descoordenada ação do PSDB. afirmar em um seminário para 700 prefeitos do partido que "o Aécio não precisa de convenção, de nada. Será ungido candidato". Nos últimos meses, FHC já vinha fazendo uma espécie de "road-show" discreto com o senador, visitando empresários e industriais. O ex-presidente iniciava as conversas sempre com a frase: "Estamos dando início ao projeto Aécio 2014". Na segunda quinzena de agosto, por exemplo, a dupla teve encontros em São Paulo com os donos de dois dos maiores bancos privados do Brasil. Mesmo assim, da forma como foi feito, o "anúncio" do ex-presidente pegou o próprio Aécio de surpresa. "Não é esse o momento ainda", disse o senador. No dia seguinte, porém, Aécio engrossou a voz — e o assunto escolhido foram as tarifas elétricas: "O PSDB repudia da forma mais veemente a tentativa de alguns setores do PT de politizar uma questão extremamente séria e estratégica para o país. Séria para as famílias consumidoras de energia e estratégica para a produção brasileira. Lamentavelmente, o viés autoritário do governo mais uma vez se faz presente", afirmou.
As contas de luz têm se mostrado um instrumento muito apreciado por governos populistas, como o de Cristina Kirchner. As que os argentinos recebem em casa vêm com uma frase que diz: "Consumo com subsídio do estado nacional”. Ao lado dos dados sobre gastos e valores a ser pagos, vê-se uma tabela que compara os preços pagos pelo cliente argentino com valores cobrados no Brasil, no Uruguai e no Chile. O quadro inclui ainda os preços praticados em províncias argentinas administradas por governadores não alinhados com o governo central. Há cinco anos. Cristina Kirchner mantém as tarifas artificialmente baixas à custa de subsídios, como faz com passagens de ônibus e gás encanado — uma política que os argentinos já apelidaram de "populismo tarifário" e cujo preço são os apagões frequentes, inclusive em Buenos Aires, decorrentes da falta de investimentos no setor.
No Brasil, a reação dos investidores ao plano do governo federal para o setor elétrico deixou claro que, ao contrário do que afirmou o secretário executivo de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, o projeto não desagradou apenas a "meia dúzia de acionistas". Desde a sua apresentação, as ações das empresas da área já perderam, juntas, mais de 30 bilhões de reais em valor de mercado. Trata-se de uma péssima notícia para um país que precisa urgentemente ampliar os investimentos em infraestrutura e, sem condições de fazê-lo com recursos próprios, vai ter de atrair capital privado para os maiores projetos. A Cesp tem 13.000 acionistas privados. A Cemig tem ações negociadas nas bolsas de Nova York e de Madri, além de São Paulo, totalizando 130.000 investidores em quarenta países. Uma maneira segura de despertar nos investidores em infraestrutura o instinto animal de fuga, como diz a Carta ao Leitor desta edição, é exatamente o que o governo federal está fazendo com o setor elétrico. Essa intervenção reafirma a disposição do governo de utilizar estatais como instrumento de política econômica, como faz há algum tempo com a Petrobras, convocada para ajudar a conter a inflação ao custo de sua eficiência. Esse tipo de política já foi utilizado no passado. O resultado foi a perda da capacidade de investimento das empresas e o seu sucateamento, além dos efeitos perversos em toda a economia. O Brasil não é a Argentina e Dilma Rousseff não é Cristina Kirchner. Não há estratégia política ou eleitoral que valha o risco de ceder à tentação populista e espantar os investidores privados de que tanto o Brasil depende para avançar.
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