segunda-feira, dezembro 10, 2012

Crise financeira ou de informação? - KENNETH ROGOFF

O Globo - 10/12


Um fraco crescimento já se projeta para o ano seguinte, enquanto aumenta o debate sobre o que esperar das próximas décadas. A crise financeira global foi um severo, mas transitório, revés para os países avançados, ou expôs uma doença mais profunda e de longo prazo?

Recentemente, analistas como o empreendedor da internet Peter Thiel e o ativista político e ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov esposaram uma interpretação bastante radical da desaceleração. Num livro a ser lançado, argumentam que o colapso do crescimento dos países avançados não resulta meramente da crise financeira; em sua raiz, dizem eles, a fragilidade desses países reflete uma estagnação em tecnologia e inovação. Dessa forma, sem mudanças radicais em sua política de inovação, eles não deverão registrar recuperação baseada no crescimento da produtividade.

O economista Robert Gordon leva essa ideia mais longe ao defender que o período de rápido progresso tecnológico que se seguiu à Revolução Industrial pode ter sido uma exceção de 250 anos à regra da estagnação na história humana. De fato, ele sugere que as inovações tecnológicas de hoje são pálidas em comparação com avanços como a eletricidade, água corrente, o motor a combustão e outros feitos que têm mais de um século.

Recentemente, debati a tese da estagnação tecnológica com Thiel e Kasparov na Universidade de Oxford, juntamente com o pioneiro da criptografia Mark Shuttleworth. Kasparov perguntou incisivamente que produtos, tais como o iPhone 5, realmente contribuem para ampliar nossas capacidades e argumentou que a maior parte da ciência por trás da moderna computação foi estabelecida nos anos 70. Thiel sustentou que os esforços para combater a recessão via política monetária frouxa e estímulo fiscal hiperagressivo tratam da doença errada e, assim, podem ter efeitos muito perigosos. São ideias muito interessantes, mas a evidência ainda parece esmagadora de que a freada na economia global reflete principalmente o resultado de uma profunda crise financeira sistêmica, não uma crise de inovação de longo prazo.

Certamente há os que acreditam que os mananciais da ciência estão secando e que, quando se olha de perto, os últimos gadgets e ideias que impulsionam o comércio global são, essencialmente, secundários. Mas a vasta maioria de meus colegas cientistas em universidades de ponta parece terrivelmente excitada sobre seus projetos em nanotecnologia, neurociência e energia, entre outros campos. Acreditam estar mudando o mundo de forma tão rápida como nunca vimos. Quando penso na estagnação inovativa como um economista, preocupo-me com a forma como monopólios presunçosos sufocam ideias e como recentes mudanças, estendendo a validade de patentes, exacerbaram este problema.

Não, a principal causa da recente recessão é certamente a bolha global de crédito e sua subsequente explosão. Não é meramente quantitativa a profunda semelhança entre o que acontece hoje e depois de profundas crises financeiras sistêmicas do passado. As pegadas da crise são evidentes em indicadores que vão do desemprego ao preço dos imóveis e ao acúmulo de dívidas. Não é acidental que a era atual pareça tanto com o que ocorreu em dezenas de profundas crises financeiras no passado.

A bolha de crédito pode estar enraizada no otimismo excessivo num ambiente de potencial crescimento econômico implícito na globalização e nas novas tecnologias. Como Carmen Reinhart e eu enfatizamos em nosso livro "Desta vez é diferente", tais fugas de otimismo frequentemente acompanham rápidas expansões de crédito, e esta não é a primeira vez que a globalização e a inovação tecnológica desempenharam um papel central.

Atribuir a atual desaceleração à crise financeira não implica ausência de efeitos de longo prazo. Contrações de crédito quase sempre atingem mais fortemente as pequenas empresas e as que estão iniciando operações. Como muitas das melhores ideias e inovações vêm das pequenas companhias, a atual contração de crédito terá inevitavelmente custos no crescimento a longo prazo. Ao mesmo tempo, as habilidades de trabalhadores desempregados ou subempregados estão se deteriorando. Muitos recentemente formados em faculdades também estão perdendo porque está mais difícil encontrar empregos que estimulem sua capacidade e concorram para aumentar sua produtividade e renda a longo prazo.

O crescimento a médio prazo não escapará de ser atingido, uma vez que os governos, sem dinheiro, estão adiando projetos públicos de infraestrutura. E, independentemente de tendências tecnológicas, outras tendências antigas, como o envelhecimento da população nos países mais avançados, estão cobrando seu preço nas perspectivas de crescimento. Mesmo se não houvesse crise, os países teriam de fazer ajustes politicamente dolorosos nos programas de previdência e de saúde.

Todos juntos, esses fatores tornam fácil imaginar um índice de crescimento um ponto percentual abaixo do normal por mais uma década, talvez mais. Se a hipótese de Kasparov-Thiel-Gordon estiver certa, o panorama é ainda pior - e a necessidade de reforma, muito mais urgente. Afinal, a maioria dos planos para emergir da crise financeira assume que o progresso tecnológico fornecerá uma fundação sólida para o crescimento da produtividade que, ao final, sustentará a retomada.

Então, a principal causa da recente desaceleração é uma crise de inovação ou uma crise financeira? Talvez as duas, mas certamente o trauma econômico dos últimos anos reflete o derretimento financeiro, mesmo se o caminho adiante precise levar em conta outros obstáculos ao crescimento de longo prazo.

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