O Estado de S.Paulo - 10/12
As regras para a escolha do sucessor de Pascal Lamy como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) estabelecem que as candidaturas para sua sucessão devem ser apresentadas este mês. Ainda não está claro se o Brasil lançará candidato próprio ou se apenas tentará influir na eleição. Por muitas razões, seria recomendável que não lançasse candidato próprio.
Para recordar: Lamy foi escolhido em 2005 e reconduzido em 2009. Beneficiou-se da fragmentação dos votos dos países em desenvolvimento. No início do processo, apresentaram-se como candidatos Jaya Cuttaree, das Ilhas Maurício; Carlos Pérez del Castillo, do Uruguai; Pascal Lamy, da França; e Luiz Felipe de Seixas Corrêa, do Brasil. O Brasil não poderia apoiar Pérez del Castillo, em vista dos atritos na reunião ministerial de Cancún, em 2003, em torno da minuta de declaração ministerial preparada pelo diplomata uruguaio, então presidente do Conselho-Geral da OMC. O documento teria deixado de refletir adequadamente os interesses das economias em desenvolvimento e, em particular, dos membros do que seria no futuro o G-20 da OMC, com o Brasil, a Índia e a China em posição proeminente. Além da óbvia simpatia dos EUA e da União Europeia, Pérez contou com o apoio dos anfitriões mexicanos, que apoiavam os países desenvolvidos.
Pérez iniciou a campanha com grande antecipação e Seixas Corrêa acabou sendo excluído da lista de candidatos na primeira rodada. O Brasil foi colocado na posição penosa de ter de escolher, na rodada final, entre Lamy e Pérez, acabando por apoiar o candidato latino-americano. Pérez perdeu, apesar do favoritismo inicial, inclusive nas cotações da tradicional casa de apostas londrina Ladbrokes. Se o Itamaraty tivesse acompanhado as cotações da Ladbrokes, teria moderado suas ilusões quanto ao candidato brasileiro ser a segunda escolha de quase todos.
Embora o rodízio regional não seja tradição da OMC e do Gatt - desde 1947 coube a um representante de país em desenvolvimento apenas o meio mandato do tailandês Supachai Panitchpakdi (2002-2005) -, talvez agora seja, afinal, a vez de um candidato africano ou latino-americano. A vacância da Secretaria-Geral da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) pode ter relevância na sucessão da OMC.
Para lançar candidato brasileiro, o governo deveria levar em conta esse retrospecto desfavorável e avaliar se as arestas do passado estariam superadas. Não se acredita que as memórias uruguaias ou mexicanas sejam particularmente curtas, embora, por razões distintas, não sejam prováveis candidaturas exitosas dos dois países. No caso do México, por Angel Gurria ocupar a Secretaria-Geral da OCDE, e no do Uruguai, pela peculiaridade da situação que ensejou a postulação de Pérez. O Brasil, por sua vez, ocupa a Secretaria-Geral da FAO desde o início de 2012. Devem ser também lembradas novas arestas latino-americanas criadas na esteira dos atritos no FMI, que levaram à transferência da Colômbia da cadeira brasileira para a cadeira do México.
Há outros obstáculos a considerar. O Brasil disporia, em tese, de bom candidato, o embaixador Roberto Azevedo, seu representante na OMC, com ampla experiência em diversos episódios relacionados à solução de controvérsias na própria OMC, em particular os emblemáticos panels sobre açúcar e algodão com resultados adversos para a União Europeia e os EUA. Também contribuiu para a construção da boa imagem do Brasil como país comprometido com o sistema comercial multilateral a participação muito positiva na malograda reunião ministerial da OMC de julho de 2008, quando, a despeito das posições obstrucionistas da China e da Índia, houve séria tentativa de romper o impasse e salvar a Rodada Doha.
Desde então, essa imagem positiva do Brasil na OMC tem sido erodida espetacularmente. Em parte, pelo aumento de tarifas, a reboque da Argentina, em mais um episódio que demonstra que, no Mercosul, é o rabo que abana o cachorro. Não se discute a legalidade de tais aumentos no âmbito da OMC, pois resultam em tarifas dentro dos limites consolidados na Rodada Uruguai. Mas não há dúvida de que tais aumentos violam compromissos - que talvez não devessem ter sido assumidos - de congelamento da proteção acordados no âmbito do G-20 financeiro.
Muito mais sérias para comprometer a imagem multilateral do Brasil são as medidas ilegais que, de forma muito rudimentar, aumentam significativamente a proteção ao setor automotivo, por meio de tratamento discriminatório das importações na imposição do IPI, baseado em critérios de conteúdo local.
No plano das ideias, a reputação brasileira também tem sofrido, e poderá sofrer bem mais, com a insistência na proposta de incorporar às tradicionais medidas de defesa comercial provisões relativas a flutuações cambiais. Contas sumárias indicam que tarifas compensatórias de flutuações cambiais desde 1998 teriam oscilado entre 2% ad valorem em 2001 e 233% em 2011!
O governo brasileiro deveria botar as barbas de molho, abrir mão de candidatos nacionais e tentar influir nas escolhas seja na OMC, seja na Unctad. Mas, com base no retrospecto recente, talvez seja irrealista esperar bom senso do governo.
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