Desde 2003, a economia brasileira passou a operar claramente sob o modelo de crescimento do consumo doméstico, graças ao controle da dívida pública e ao ambiente externo superfavorável até 2008. As taxas de juros puderam cair fortemente e o crédito se expandir a taxas nunca antes vistas. À época, a razão crédito total/PIB era de 25%. Hoje é 50%. Significa R$ 1 trilhão de empréstimos adicionais nesses nove anos.
Os preços de nossas principais commodities de exportação se elevaram fortemente, enquanto se ampliava a oferta mundial de industrializados, a preços cada vez mais baixos, puxados e determinados especialmente pela China.
Nessa situação, a demanda agregada cresce bastante, se espalha pela economia e causa efeitos diferenciados setorialmente. Os que pouco comercializam com o exterior, como serviços, são ganhadores óbvios, e atraem mais recursos e mão de obra. Com pouca concorrência externa, os preços desses segmentos tendem a subir, viabilizando a contratação de mais mão de obra por salários mais elevados, que depois se transmitem para o resto. Hoje se fala que há pleno emprego no País, porque o setor de serviços viabilizou a absorção de forte contingente de mão de obra, empregando três vezes mais que a indústria. Voltado basicamente para fora e sob preços externos em ascensão, os setores de commodities são também ganhadores.
Ao sofrer a pesada competição chinesa - e por último da Europa em recessão -, a indústria de transformação é a grande perdedora. Há, ainda, os problemas vividos por um de seus maiores mercados compradores, a Argentina. Perde, também, por ter de pagar salários cada vez mais altos, puxados pelo setor de serviços. Para completar, nesse quadro a taxa de câmbio tende naturalmente a se apreciar, seja pela maior atratividade econômica do setor que não comercializa com o exterior, seja pela inundação de dólares decorrentes do choque de commodities e da forte expansão da liquidez internacional. Assim, por vários motivos, a indústria tende a crescer menos do que os demais setores. Sem jeito.
As vendas reais do comércio têm crescido a 8% a.a. desde 2003, independentemente da crise, demonstrando o forte crescimento do consumo. Por sua vez, a indústria conseguiu acompanhar de perto a evolução do setor de serviços, com crescimento ao redor de 4%, até 2008. Mas depois desabou com a crise, recuperou-se rapidamente, e de 2009 para cá só cai.
Como consequência, as importações de industrializados têm crescido muito, e os déficits externos, idem, em que pese o aumento do valor das exportações. Isso implicou maior internalização de poupança externa na economia e aumento da taxa de investimento anual - ao redor de 4 pontos percentuais do PIB -, aliviando a pressão sobre a taxa de poupança gerada domesticamente, que, num modelo pró-consumo, tende a cair. Simultaneamente, permitiu aumento da taxa de crescimento do PIB sustentável para cerca de 4% ao ano.
Vencidos os piores momentos da crise externa, seria de se esperar que tudo voltasse ao padrão de desempenho pré-crise. Maior crescimento do PIB potencial dependeria, contudo, de novos aumentos da taxa de investimento e da taxa de crescimento da produtividade, especialmente via expansão da infraestrutura de transportes, já que a mão de obra, ao que se estima, está plenamente empregada.
O governo tem mantido o modelo pró-consumo, mas alterou peças importantes do restante. Aprovou várias medidas de socorro à indústria, incluindo a desvalorização do câmbio. Fixou-o posteriormente ao redor de R$ 2,10. Interveio fortemente no sistema bancário para reduzir os spreads por métodos mais diretos. Reduziu fortemente a taxa básica de juros, aproveitando o quadro recessivo mundial. Congelou os preços de combustíveis. Está lançando novos planos de concessões de transportes baseados em tarifas e taxas de retorno mínimas e uma pesada reformulação das concessões de energia elétricacom o objetivo de forçar a redução da conta de luz em 20%. Essa é a receita que, em que pese a boa intenção, parece vir produzindo o fraco resultado do PIB, o chamado Pibinho.
O grande drama da política cambial é que ela está indefinida, pois pode haver novas desvalorizações pontuais e porque, no longo prazo, o regime de câmbio fixo tende a cair. Enquanto isso, cria-se uma trava à entrada de poupança externa - e ao investimento - que não existia, sabendo-se que a indústria tem poucas saídas. Todo alívio que receber implicará custos para a economia como um todo, sem garantia de compensação futura via produtividade. O modelo de concessão de transportes afasta investimentos e só garante empreendimentos de baixa qualidade. O certo seria aceitar taxas de retorno realistas e exigir maior produtividade ao longo do período de concessão. Em reação às mudanças, há uma grande confusão na área de energia e perspectivas desfavoráveis para os investimentos.
Com tantas - e desencontradas - mexidas, não se deveriam estranhar cinco quedas consecutivas nos investimentos e comportamento pífio do PIB.
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