quarta-feira, novembro 14, 2012

Tripé: os argumentos do Banco Central - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 14/11


O Banco Central (BC) tem sido muito criticado nos últimos tempos, inclusive neste espaço, pelo possível abandono do tripé de política econômica que vigora no país desde 1999. Um dos aspectos do tripé - o superávit fiscal - não depende do BC, mas os outros dois (câmbio flutuante e metas para inflação) estão sob sua gestão.

Dirigentes da instituição fizeram um balanço, para esta coluna, da atual administração. O propósito é mostrar que, no que cabe à autoridade monetária, não houve ruptura, mas uma adaptação à complexa realidade econômica global.

Em 2010, o último ano do governo Lula, a economia brasileira cresceu 7,5%, uma taxa insustentável. "Não podia, não pode nem vai poder crescer a essa taxa no curto prazo", diz uma fonte graduada. "7,5% é "too much" (demais) para nós." Naquela ocasião, o volume de crédito crescia a taxas igualmente insustentáveis, mais de 50% em alguns segmentos.

Previsão de queda dos juros estava na ata do Copom desde 2010

O forte fluxo de capitais estrangeiros era outro desafio, não apenas por causa da apreciação que provocava na taxa de câmbio, mas pelo fator "desestabilizador", explica um assessor. O risco seria de uma reversão repentina dos fluxos, algo que provocasse desvalorização abrupta do real e problemas no crédito, uma vez que parte dos recursos externos alimentava os financiamentos.

Para completar, no segundo semestre de 2010 um forte choque de preços de commodities acelerou a inflação.

A reação do BC foi conter a expansão excessiva de crédito por meio de medidas macroprudenciais, uma vez que os empréstimos eram uma das principais alavancas do PIB naquele momento. "Um ano depois, aquela intervenção se mostrou correta. Ela foi cirúrgica. As medidas macroprudenciais eram o principal instrumento para lidar com pressões localizadas de demanda. Não eram um substituto para a Selic", diz uma fonte.

O governo decidiu, também, taxar a entrada de capitais de curto prazo para conter os riscos de um fluxo "abnormal". "Pode trazer recursos, só mudou o preço." Por fim, o BC iniciou um ciclo de aperto monetário para combater a inflação, que em 2010 foi a 5,9%.

A política fiscal do novo governo, iniciado em janeiro de 2011, ajudou a macroeconomia, não necessariamente por reduzir a dívida pública, mas por contribuir para conter a demanda agregada.

No Relatório de Inflação de 2011, o BC comunicou ao mercado que o IPCA só convergiria para a meta de 4,5% em 2012. Nos meses seguintes, foi acusado de ser leniente com a inflação, cujas expectativas continuavam se deteriorando. Em agosto de 2011, num movimento surpreendente, o banco interrompeu o processo de elevação dos juros e começou a reduzi-los, baseado na percepção de que a economia mundial estava novamente em processo de forte desaceleração.

Nesse ponto, há um aspecto interessante sobre a comunicação da autoridade monetária. É verdade que o BC se aproveitou da fraqueza da economia global para cortar os juros, mas a ideia de que o país já estaria preparado para se mover nessa direção foi prevista, pela primeira vez, no parágrafo 19 da ata do Comitê de Política Monetária de setembro de 2010, um ano antes do início do ciclo de alívio monetário. Lá, está dito que o amadurecimento do regime de metas aumentou a tração da política monetária e criou condições para a queda da taxa real neutra de juros, aquela que mantém o equilíbrio entre oferta e demanda com inflação baixa e estável.

"Os juros iam cair de uma maneira ou de outra. A crise apenas acelerou esse processo", observou uma fonte. Uma possível indicação de que o país mudou para melhor é que, nas crises anteriores, a taxa de juros subia, em vez de cair.

O BC alega que, apesar do corte de juros, não abdicou do cenário de convergência à meta em 2012. No entanto, o banco foi surpreendido, em junho passado, por mais uma rodada de aumento de preços de commodities e de produtos in natura. "Até aquele momento, o mercado estava conosco", diz uma fonte, lembrando que, em junho, a inflação implícita na negociação das NTN-B (papel do Tesouro atrelado ao IPCA) estava abaixo de 4,5%, portanto, da meta de inflação para 2012.

"O cenário de convergência se complicou, mas não desapareceu", sustenta um dos formuladores da política econômica. O BC acredita, agora, que o pior momento do choque de preços já passou e que cinco fatores contribuirão para a convergência do IPCA à meta no próximo ano.

O primeiro é que, nos próximos 12 meses, é "pouco provável", segundo um assessor, que a taxa de câmbio sofra o grau de depreciação (de 30%) ocorrido entre setembro de 2011 e o mesmo mês deste ano. O segundo fator é o salário mínimo (SM), que tem influência decisiva nos preços dos serviços. Em janeiro de 2012, o SM foi corrigido em 14,12%. Em janeiro de 2013, o reajuste será bem menor (algo entre 7,9% e 8,3%).

A terceira razão para o BC apostar na queda da inflação é a economia mundial, que deve continuar fraca em 2013. O quarto fator é a desoneração tributária promovida pelo governo. No caso da energia elétrica, espera-se impacto baixista no IPCA de 0,5 ponto percentual em 2013, número que já consta das projeções oficiais.

O BC acha que há, ainda, um "risco favorável" de outras desonerações, como a da folha de pessoal de 25 setores da economia, ajudarem a segurar os reajustes de preços nos próximos meses. Outra razão que faz o BC acreditar na convergência do IPCA é o cumprimento, em 2013, da meta cheia de superávit primário das contas públicas (3,1% do PIB), diferentemente do que está ocorrendo em 2012.

"Nosso cenário contempla meta cheia de superávit em 2013", assinalou uma fonte. Isso não significa que o governo vá cumprir a meta. A tendência é que não o faça, uma vez que recentemente adotou-se o discurso da necessidade de uma política fiscal anticíclica. O que o BC está dizendo é que, se a meta não for cumprida, haverá consequências sobre suas ações.

No governo atual, há a percepção de que o BC perdeu autonomia, mas, nesse tipo de análise, dois sinais emitidos recentemente por dirigentes do BC devem ser levados em conta: a defesa contundente do regime de metas e a advertência de que o banco conta com a meta cheia de superávit em 2013. "Os ciclos econômicos (e monetários) não foram abolidos."

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