FOLHA DE SP - 14/11
Imaginei-me chegando ao balcão, depositando o potinho vazio e dizendo: 'Olha, não são vocês, sou eu'
ÉRAMOS EU, um potinho de plástico e a Bruna Surfistinha -"Se precisar de estímulo, tem umas revistas naquela gaveta" haviam sido as últimas palavras da funcionária do laboratório antes de me abandonar à solidão das quatro paredes beges. Eu estava ali para realizar um espermograma, exame a que, após alguns meses de infrutíferas investidas fecundatórias, resolvi submeter-me -embora "submeter" não seja o verbo mais adequado se pensarmos que a responsabilidade pela "coleta do material" recaía, única e literalmente, em minhas mãos.
Woody Allen disse certa vez que não deveríamos nos envergonhar da masturbação, afinal, trata-se de sexo com a pessoa que você mais ama. Ok, talvez num domingo chuvoso, no recesso do lar, entre um brownie e um seriado de TV; mas no 11º andar de um edifício na rua Itapeva, constrangido pelo cheiro de álcool, pelo bip das senhas no painel, insistindo em me lembrar das 15 pessoas que, do lado de lá da diáfana porta de fórnica, ops, de fórmica, sabiam muito bem o que eu estava prestes a fazer (discrição claramente não havia sido a prioridade da mocinha ao urrar "Sr. Antonio, espermograma!!!"), a coisa fica um pouco diferente.
Não sei se foi o cheiro de álcool, as pessoas lá fora, a obrigação de cumprir com o dever, mas assim que tranquei a porta me veio aquela dúvida que um homem jamais deve deixar brotar diante do sexo, seja com uma pessoa, com várias ou com nenhuma: e se eu não conseguir? E se for incapaz de -hum, hum- performar a coleta? Seria a mais humilhante de todas as brochadas, uma inédita brochada solitária, diante da qual eu poderia dizer, sem mentir: isso nunca me aconteceu antes!
Imaginei-me chegando ao balcão, depositando o potinho vazio -transbordante de fracasso- e dizendo: "Olha, não são vocês, sou eu. Tô um pouco nervoso. Será que não dava pra eu ler umas Caras velhas antes? Tomar um cafezinho? Quem sabe se eu começar por um hemograma básico, sei lá, um colesterol e triglicérides, depois passar pra uma ressonância -aquele escurinho, aquele ronronar...- e só então formos aos finalmentes, hein?".
Estava prestes a aceitar a derrota quando, do fundo de minha acuada masculinidade, uma voz ecoou. Era a voz de Van Damme, o Grande Dragão Branco: "Retroceder, nunca; render-se, jamais!". Ele estava certo. Eu não podia me deixar vencer pelo medo. Eu fora até ali por uma razão clara: pelo filho que pretendo ter. Para saber se está tudo bem comigo (ou, deveria dizer, com eles?) antes de gastar um ano em malogradas -embora nada sofridas- tentativas. Falhar, naquele instante, não seria um ato de fraqueza, mas de egoísmo: um desrespeito com o futuro, uma afronta à minha missão biológica. E foi este sentimento cívico, este ancestral chamado da natureza que me trouxe de volta a confiança, fez o coração pulsar o sangue em minhas veias e... Bom, vamos parar por aqui. Certas intimidades, melhor ficarem entre as quatro paredes beges, entre mim, o potinho de plástico e a Bruna Surfistinha -que, sem nem suspeitar, no 11º andar da rua Itapeva, no fundo de uma gaveta, vem ajudando a povoar este Brasil varonil. Com licença -e desculpe qualquer coisa.
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