FOLHA DE SP - 14/11
A possibilidade de um arquiteto, um médico ou um biólogo ministrarem aulas de história é decerto estranha à primeira vista. A profissão de historiador abrange técnicas, conhecimentos e modos de ver um tanto específicos.
Mesmo assim, há mais interesse corporativo do que preocupação científica na proposta de regulamentar a profissão, aprovada pelo Senado na última semana, e que segue para tramitação na Câmara dos Deputados.
O projeto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), torna exclusivo para quem tem diploma de graduação, mestrado ou doutorado em história o ensino da disciplina. Até mesmo no ensino superior tal prerrogativa passaria a valer, caso aprovada a nova lei.
"Não vou querer que um arquiteto forme um médico", argumenta o senador Paim. "Por que ia ser diferente no caso de historiador?"
A resposta mais simples seria que, justamente, história não é medicina. Apesar de exigir técnicas próprias, o estudo da história é multidisciplinar por excelência.
Trata, afinal, do mais amplo leque de assuntos -das clássicas questões da história militar, que podem beneficiar-se da experiência de correspondentes de guerra e de oficiais especializados em estratégia, às tendências contemporâneas em que os conhecimentos de ecologia e microbiologia têm iluminado fatos decisivos no percurso (e na tragédia) das civilizações.
Tanto é assim que a chamada história geral se desdobra em dezenas, talvez centenas de especialidades: história da medicina, história da arquitetura, história religiosa, história econômica -para citar apenas algumas.
Numa faculdade, nada seria mais indicado do que a participação de especialistas de outras áreas -desde que, como é óbvio, imbuídos da perspectiva diacrônica exigida pela disciplina.
Tal perspectiva não precisa ser atestada pelo título universitário específico, como quer o projeto. Tanto na universidade quanto no ensino médio e no fundamental, o mais elementar bom senso recomenda que só ascenda à posição de professor quem possua suficientes conhecimentos sobre o assunto que irá ensinar.
Uma lei restritiva e obscurantista, destinada apenas a garantir reserva de mercado para os formados em história, não tem relação alguma com tal exigência.
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