A notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou o fim das sessões deliberativas ordinárias às segundas e sextas-feiras há de ter sido recebida como mais uma demonstração de que os políticos não querem nada com o batente. Uma reação esperada, compreensível e equivocada. Primeiro, porque a Casa simplesmente imitou o Senado ao tornar oficial a praxe de não votar matérias nesses dias. Tanto assim que os ausentes das respectivas sessões não perdem a paga, como acontece com os faltosos às sessões deliberativas. Segundo, porque o regimento prevê a convocação de votações extraordinárias em qualquer dia da semana. Terceiro, e mais importante, é que não se deve medir a qualidade do trabalho legislativo por critérios que se diriam obreiristas. Um Parlamento pode funcionar em ritmo industrial o que não ocorre em parte alguma sem cumprir efetivamente as funções para as quais foi criado. Ou, pior, servindo aos políticos e desservin-do à sociedade.
E o que acontece com desa lentadora frequência enquanto o público está olhando para o outro lado. Está em curso no Congresso, por exemplo, uma jogada arquitetada pelo consórcio PT-PMDB para mudar novamente as regras de tramitação das medidas provisórias (MPs), o mais poderoso instrumento à disposição do Executivo para impor a sua hegemonia na produção de leis. Desde março passado, uma MP só pode chegar a plenário se a sua urgência e relevância tiverem sido aprovadas por uma comissão mista de 26 parlamentares, indicados pelos líderes partidários das duas Casas. A cada vez, a comissão indica um relator, cujo parecer, se aprovado, é que segue para a deliberação final. A margem de deputados e senadores para emendar a versão recebida é restrita. A queixa é que esse sistema concentra demasiados poderes na comissão que dirá se a MP é admissível ou não.
O poder que açula apetites em todas as bancadas é principalmente o de acrescentar ao texto vindo do Planalto emendas com escassa ou nenhuma relação com a matéria a que se refere, mas intimamente relacionadas com os interesses das clientelas que ajudam os parlamentares a se eleger e que, de outro modo, talvez não fossem atendidos. Chamadas apropriadamente contrabandos ou jabutis, numa alusão ao ditado político de que se o bicho aparece numa árvore é porque alguém o colocou lá -, as emendas não raro servem de moeda de troca entre as lideranças e o governo: se o Executivo não as considerar desvantajosas, serão toleradas como preço a pagar pela aprovação do que a medida tem de essencial. E o que estaria acontecendo com a MP 574 sobre a renegociação de dívida dos Estados e municípios com o Pasep.
O que as siglas mais fortes querem agora, informa o jornal Valor, é desengavetar um projeto de emenda constitucional de autoria do presidente do Senado, José Sarney, já aprovado em dois turnos na Casa e parado na Câmara há mais de um ano. A proposta transfere às Comissões de Constituição e Justiça do Congresso a incumbência de avaliar se as MPs recebidas atendem aos requisitos constitucionais para a sua edição e os plenários se desincumbiriam de tudo o mais. A mudança, aparentemente estimulada pelo governo, contraria decisão do STF do começo do ano, determinando que as MPs precisam passar preliminarmente pelo crivo de uma comissão mista de deputados e senadores. Os partidos menores preferem o modelo atual porque “democratizou o lobby”, como diz o deputado Esperidião Amin, do PP catarinense. “Antes o governo fazia os seus contrabandos por meio do relator”, argumenta. “Depois tudo ficou mais diluído.”
Pode-se comparar a divergência a uma briga de contrabandistas, portanto. E haja muambas legislativas! Ainda ontem, o Valor elencou as emendas-ja-butis enfiadas na polêmica MP 579 do setor elétrico. Para citar os exemplos mais escabrosos, um parlamentar contrabandeou um artigo dispensando o exercício da advocacia do exame na OAB. Outro quer mexer na legislação do Imposto de Renda. Outra pretende que a Embratur doe um imóvel no Amazonas. Espertezas como essas não seriam menos graves se o Congresso abrisse sete dias por semana.
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