domingo, janeiro 29, 2012
A Orquestra Filarmônica da Europa - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE
FOLHA DE SP - 29/01/12
A música erudita atual nem sempre é intuitiva, não há a sensação de leveza, de beleza sensorial; ela é uma ótima metáfora para a crise européia
Arnold Schoenberg ou Anton Webern? Béla Bartók? Qual deles terá inspirado as respostas de Angela Merkel? Numa longa entrevista para o Le Monde, na qual abordou o tema da crise europeia, a Chanceler comparou os esforços de coordenação para resolvê-la à execução de uma orquestra. “Mas, como assim, uma orquestra?”, perguntou o repórter, confuso. “A dissonância entre os líderes europeus tem sido tão evidente...”. “Ah”, retrucou a connaisseuse, “trata-se da execução de uma composição muito moderna”.
A música erudita contemporânea nem sempre é intuitiva. Na sua vertente atonal, não há um centro de tensão harmônica, as notas são ordenadas, mas não hierarquizadas. Para os neófitos, que têm certa dificuldade de superar a desconstrução da tonalidade tradicional para apreciar a arquitetura musical vanguardista, a cacofonia prevalece. Não há aquela sensação de leveza, falta o senso do sublime, da beleza puramente sensorial, que caracteriza, por exemplo, uma composição de Mozart. A música da virada do século XX é demasiado complexa para isso.
Muitíssimo apropriado, portanto, que tenha sido utilizada como metáfora para a crise europeia. Como enfatizou Angela Merkel, é, também, um sinal de progresso poder comparar a Europa a uma orquestra, independentemente do programa elaborado pelos diretores artísticos (seja ele tradicional ou contemporâneo), pois nesta imagem sobressai a noção de conjunto. Nem sempre foi assim no Velho Continente.
Metáforas musicais à parte, a entrevista de Angela Merkel revelou uma postura bem diferente daquela que marcara os seus discursos e declarações anteriores, que acabaram por lhe conferir o desagradável apelido de Frau Nein. A Chanceler retratada no Le Monde é claramente pró-euro, nitidamente empenhada em fazer todo o possível para retirar os países da união monetária desse estado desolador que parece não ter fim. Sua visão estratégica é de uma união política entre os países da zona do euro. Mas, para chegar lá, o caminho é longo. No curto prazo, Merkel enfatiza, como tem feito desde sempre, a necessidade de alinhar e fortalecer a disciplina fiscal, de aprovar o novo “Compacto Fiscal”. Contudo, reconhece abertamente, pela primeira vez, que a austeridade não é o suficiente para reerguer a Europa. É preciso gerar as condições para que as economias cresçam e criem empregos, diz. Reformas que permitam a inclusão dos jovens no mercado de trabalho são urgentes, arremata. No que depender desta aficionada pela música contemporânea, a solidariedade alemã está garantida. Desde que certos princípios sejam seguidos e mantidos. A mensagem é a mesma, porém marcada por um tom inequivocamente mais suave. E o tom faz toda a diferença.
Os mercados, como eu, não estão acostumados com a música contemporânea. Porém assisti, recentemente, o Concerto No. 2 para piano de Bartók. Não é leve. Mas executado pelo virtuoso pianista chinês Lang Lang, com a Orquestra Filarmônica de NY, é espetacular.
Eis, portanto, a dúvida: poderá, como na música, a dissonância europeia ser compensada pelo virtuosismo da China, acompanhada pela sustentação da economia americana?
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