domingo, janeiro 29, 2012
A migração da violência - MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo - 29/01/12
Há um novo recordista mundial em violência. Não é Cabul nem a Praça Tahrir. Segundo a ONU, a cidade mais sangrenta da atualidade chama-se San Pedro Sula, com 800 mil habitantes e localizada ao norte de Honduras. Sua taxa de homicídio: 159 por 100 mil habitantes, pior até que Ciudad Juárez, notória capital da guerra do tráfico mexicano.
Assaltos, sequestros, acertos de contas entre bandidos e assassinatos por encomenda. Hoje, Honduras sofre de tudo um pouco e já ostenta números de países em guerra aberta: 82 homicídios por 100 mil habitantes, outro recorde.
As raízes do surto do crime são complexas. Uma combinação de guerra de gangues, tráfico de drogas, sangrenta rivalidade política e uma crise de desgoverno que deixa as ruas à deriva. Mas não falta quem simplifique o flagelo como sintoma do desmando gringo.
A última a avançar nessa tese foi Dana Frank, professora de história da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, que, em artigo, debitou a explosão de violência na conta do presidente Barack Obama, suposto autor de um "desastre de política externa". Culpou também "grande parte da imprensa dos EUA" por espalhar a versão de que a carnificina hondurenha seria obra exclusiva do tráfico de drogas.
Segundo Dana, a perdição em Honduras tem origem no golpe de Estado contra o presidente Manuel Zelaya, movimento que os EUA condenaram, mas depois mudaram de ideia, apoiando a eleição "fraudulenta" dos "golpistas".
Ela tem razão em apontar a tortuosa política internacional como uma agravante da situação hondurenha (sem mencionar o papelão do Brasil, cuja embaixada em Tegucigalpa Zelaya converteu em quartel de campanha). Mas ela - como muitos outros - erra ao contar a história pela metade.
Voltemos a 2009. Honduras estava em polvorosa. Zelaya, político conservador que se converteu à bandeira bolivariana de Hugo Chávez, convocou uma consulta pública para tentar a reeleição. Chocou-se com a Carta do país, que não só proíbe a reeleição como desqualifica quem tente se mobilizar para reprisar o mandato. Soa severo, mas em Honduras, onde a política virou jogo dos poderosos, o tabu era uma espécie de fio terra contra tiranos.
O Procurador da República entrou com um processo (de abuso de autoridade e traição à pátria) contra Zelaya e o Congresso e a Suprema Corte o acataram, votando para destituí-lo. Os juristas ainda debatem a manobra - não há impeachment em Honduras, mas a Constituição ampara a destituição do Executivo que abuse da lei. Erraram as Forças Armadas, quando prenderam Zelaya e o mandaram embora do país, ainda de pijama.
Na ausência de Zelaya, houve um mandato-tampão seguido por eleições gerais, em que Porfírio Lobo, ex-aliado de Zelaya, elegeu-se por ampla maioria. Segundo os zelaystas, foi o início do fim. A quebra da ordem nacional teria sido a senha para revanches políticas, que desaguaram em violência.
Mas isso é a versão folhetim. O crime em Honduras segue um triste roteiro, da América do Sul para a América Central. Enquanto despenca a criminalidade na Colômbia e no Brasil, na América Central ela só aumenta. Cinco países do istmo amargam pioras na última década, com uma média de 43 homicídios a cada 100 mil - o dobro do México. Em Honduras, a violência mais do que dobrou entre 2005 e 2010, em pleno mandato de Zelaya.
Em Honduras, começou com um efeito bumerangue. Imigrantes hondurenhos caíram no crime pesado nas ruas de Los Angeles, foram presos e deportados, levando na bagagem toda a tecnologia das gangues americanas. Depois, veio o "efeito bexiga", quando a guerra do governo do mexicano Felipe Calderón contra o tráfico apertou os bolsões da droga, afugentando os bandidos para o sul.
Por fim, houve anos de disfunção governamental, enquanto zelaystas e porfiristas entraram em choque permanente, sem pacto nem perdão. A soma é um ambiente próspero para caos e crime, uma tragédia centro-americana em que os estrangeiros não passam de figurantes.
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