Petrobras abusa do consumidor
CLAUDIO J. D. SALES
O Globo - 12/09/2011
Apesar do grande número de empreendimentos eólicos, como a potência instalada individual de cada usina é pequena, a maior parte da energia comercializada no leilão virá de termelétricas a gás natural. Apenas duas termelétricas - uma da Petrobras e outra da MPX - responderam por 52% da energia contratada no leilão. Mas, ao contrário do que aconteceu com as eólicas, a concorrência entre as termelétricas foi prejudicada pela falta de isonomia no fornecimento de gás.
A Petrobras abusou de sua condição de única fornecedora de gás natural para todas as demais termelétricas - com exceção da usina da MPX, que tinha seu próprio gás - e favoreceu o seu próprio empreendimento, a termelétrica Baixada Fluminense.
Apesar da quebra do monopólio legal da Petrobras em 1997, o mercado de gás natural permanece sob o domínio da estatal, que responde pela maior parte da produção e exerce forte influência sobre a produção e preços dos demais produtores. Para agravar a situação, a Petrobras controla praticamente toda a infraestrutura de transporte de gás natural no país. Mesmo a importação de gás natural liquefeito (GNL) fica a mercê da estatal porque os terminais de regaseificação pertencem à Petrobras, que, pela legislação, não é obrigada a permitir acesso de terceiros. Ou seja: a Petrobras é a única opção para a quase totalidade dos consumidores de gás natural.
Os empreendedores de geração termelétrica que o digam. Havia muitos proponentes interessados em participar do último leilão de energia que nem sequer foram habilitados porque não conseguiram assegurar o fornecimento de gás natural. E os que conseguiram concorreram em condições de desigualdade com a termelétrica da Petrobras porque foram forçados a adquirir o gás da estatal a preços mais altos e em condições de operação mais restritivas.
A disparidade ficou evidente com a publicação da Portaria nº 28/2011 do Ministério de Minas e Energia, em 02/08/2011, que reportou a taxa de "Inflexibilidade" e a "Garantia Física" de cada uma das termelétricas habilitadas a participar do leilão. Enquanto a termelétrica da Petrobras gozava de total liberdade para operar com a taxa de utilização anual que lhe proporcionasse o menor custo-benefício, as suas concorrentes foram forçadas a aceitar cláusulas de leve-ou-pague (take-or-pay) de 30% a 70%, forçando-as a operar com Inflexibilidade, reduzindo a sua competitividade nos leilões de energia. Além disso, pela Garantia Física atribuída a cada usina pode-se inferir que o custo do gás natural da termelétrica da Petrobras foi inferior ao preço que esta última ofereceu aos seus concorrentes.
Tal discriminação distorce a concorrência e compromete a eficácia do leilão como mecanismo de seleção dos empreendimentos mais eficientes. E qualquer distorção nos leilões de energia pode provocar grandes prejuízos para o consumidor porque neles são firmados contratos de energia de 15 a 30 anos.
Está em jogo o sucesso do modelo do setor elétrico, baseado em leilões com livre acesso e competição isonômica. As autoridades governamentais e os órgãos de defesa da concorrência precisam atuar. O grande beneficiado seria o consumidor, que pagaria uma tarifa de eletricidade menor devido à maior concorrência.
CLAUDIO J. D. SALES é presidente do Instituto Acende Brasil.
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