Teses sobre a falta de classe
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/04/11
O EX-PRESIDENTE Fernando Henrique Cardoso provocou um surto de sociologia no mundo político e midiático do Brasil. O pessoal passou a falar de classe social com a sem-cerimônia e a falta de classe que apenas a nossa ignorância desavergonhada permite.
O ataque foi desencadeado quanto esta Folha revelou nesta semana parte do teor de um artigo do presidente-sociólogo sobre mudanças sociais e a ruína programática e política de seu partido, o PSDB.
A julgar pelos comentários sobre o texto de FHC, os ataques de sociologia causam tanta dificuldade de enxergar como os piores casos do surto de conjuntivite, na moda em São Paulo. Senão, vejamos (sem intenção de trocadilho).
Primeiro, as definições de classe que andam por aí como miasmas do pensamento social não prestam para pensar questão social alguma.
Diz-se que existe uma "nova classe média", que brotou ou inflou nos anos Lula. Essa ideia de classe média ora disseminada pelo noticiário de assuntos econômicos é uma classificação estatística, apenas.
Num caso, conta o número de bens duráveis de uma família, mistura talvez com o número de banheiros e os anos de escola do chefe da família e chega a um indicador.
Noutro, apenas diz que famílias com renda entre o mínimo tal e máximo qual são de classe média (porque estão no meio de uma distribuição). Por exemplo, famílias com renda entre R$ 1.500 e R$ 5.000.
Por falar nisso, uma família com renda de R$ 1.500 não é "povão", para usar as categorias brilhantes do debate do PSDB?
A primeira classificação serve a publicitários e a empresas, que podem assim imaginar alvos de campanhas de vendas. A segunda, nem a isso -talvez sirva com indicador agregado do tamanho do mercado nacional. Não muito mais. Na verdade, trata-se de uma espécie de indicador de evolução de renda, apresentado com outros números.
Tais indicadores não permitem por si só inferir coisa alguma a respeito de aspirações sociais, comportamento político, preconceitos, "valores" dessas famílias.
Para fazer uma crítica sarcástica, mas não muito, o fato de um cidadão ter comprado uma TV de plasma ou de ter passado a ganhar R$ 1.600 (e não mais R$ 1.200) não permite inferir se ele gosta das afirmações do deputado Jair Bolsonaro, se aprova a reforma tributária ou se vota no PSDB ou no PT.
O debate chegou a um nível muito ruim, a ponto de os envolvidos nessa conversa se permitirem, sem mais, utilizar uma categoria estatística banal e limitada para discutir mentalidades, opções políticas coletivas etc. Isso está abaixo do economicismo mais vulgar.
Perdeu-se a ideia de que situação no trabalho, relações e "capital" sociais, educação, pertencimento a redes várias, região de moradia etc. são determinantes, complexos, do comportamento, do eleitor ou de grupos sociais.
Segundo, qual o cabimento de um partido político pensar se vai desistir de buscar votos entre tais e quais pessoas, "tais e quais" sendo no caso grupos de 30% a 60% do eleitorado, a depender do gosto estatístico do freguês? Mais interessante é: como tal discussão apareceu e se mantém no ar por dias? Pois se trata obviamente de um despropósito conceitual e pragmático.
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