Há algo de podre na hora do recreio
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/04/11
POR QUE SERÁ que o termo "bully- ing" não encontra tradução para o português? A palavra que mais se aproxima é "intimidação", mas não chega nem mesmo a resvalar na violência contida no gesto, no terror que ronda a vítima nem na valentia vã do perpetrador.
Não é possível que as crianças anglo-saxãs sejam tão piores assim do que as nossas, que lá exista um termo para definir um tipo de boçalidade que só agora começamos a discutir publicamente.
Está certo que o sistema educacional inglês não ajuda muito a preservar um sentimento de justiça entre alunos -com seus colégios internos e "prefects", os estudantes transformados em bedéis, uma casta criada na hierarquia da escola que adquire uma série de privilégios entre os quais a liberdade de disciplinar outros alunos.
Estudei na Escola Britânica de São Paulo e fui eleita "prefect". Não sei exatamente qual o critério usado na hora de colocar uma termocéfala como eu para comandar outras crianças. Mas lembro de distribuir castigos para quem era pego correndo e gritando no corredor na forma de redações de 200 palavras sobre temas como: "A importância de se plantar ovos" ou "Por que espaguete nasce em árvores na China".
Na reza diária que fazíamos reunidos no auditório, eu jogava livros de canto ("hymn books") na direção da cabeça de quem ousasse abrir o bico como quem atira frisbees no parque. Isso com a mais completa anuência do corpo docente. Os menorzinhos se pelavam de mim.
Hoje em dia, provavelmente seria processada por pais zelosos e posteriormente esquartejada. Pensando bem, isso não seria de todo uma má ideia. Mas uma vez que o mundo fosse aliviado deste embrulho incômodo que vos fala, o problema de pais que querem se livrar do ônus da educação dos filhos e jogar toda a responsabilidade nas costas da escola persistiria incólume.
O que se vê hoje é um nhe-nhe-nhem dos diabos. Professores reclamam de que não podem mais repreender o aluno sem que venha logo uma mãe superprotetora questionar sua autoridade.
Estudantes estão sempre prontos para apontar o dedo na direção do colega e gritar: "Bully!". O menor desentendimento vira caso para jurisprudência. Ninguém está mais preparado para resolver seus embates, marcar território ou usar seu poder de persuasão. Pais são chamados a intermediar qualquer contenda e, diante da mais amena contrariedade, a criança se transforma em vítima de abuso. Todo mundo agora é feito de porcelana.
E os pais, coitados, não sabem se ligam o interruptor ou compram uma bicicleta. Como acham que devem receber de volta pelo que pagam, repetem com a escola o papel que fariam com, digamos, o SAC da Brastemp.
Em vez de uma relação de confiança pela instituição de ensino, o que prevalece é um relacionamento regido por leis de mercado. Acontece que escola não é bufê de casamento ou serviço de descupinização. No trato com ela, pais não podem agir como clientes insatisfeitos ou mestres como fornecedores que devem agradar ao consumidor.
Veja bem: eu não trouxe filhos ao mundo e não sei do que estou falando. A única coisa que realmente me encasqueta é essa frescura de não traduzir "bullying". Sugestões?
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