Ocupar espaços
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 15/04/11
Pergunta quase ociosa: qual é o mais grave problema das favelas cariocas? O tráfico de drogas ou as milícias? É verdade que traficantes e milicianos são inimigos. Na verdade, as milícias nasceram por iniciativa de comerciantes, que se uniram para pagar a policiais pelo combate não oficial ao tráfico nas comunidades.
Isso foi no início do século, e as milícias prosperaram - no bom e no mau sentido - rapidamente. Em dezembro de 2006, controlavam pouco mais de um por cento das mais de mil favelas cariocas; em novembro passado, seu poder já era visível em mais de 40% delas.
Infelizmente, isso não é boa notícia para a população favelada. A proteção contra os traficantes sempre foi paga: as casas dos contribuintes da milícia recebem símbolos que as identificam como protegidas pelos milicianos.
A novidade chegara a ser saudada por autoridades e parte da mídia como altamente positiva - o prefeito César Maia as definiu como "autodefesa comunitária" e "mal menor que o tráfico". E a imprensa foi na mesma onda. No governo estadual, Rosinha Matheus ignorava oficialmente a ação dos grupos parapoliciais. E juristas afirmavam que a filiação a uma milícia não era crime para as leis brasileiras.
Aos poucos, foi ficando evidente que os milicianos eram simplesmente criminosos, tão nocivos como quaisquer outros.
Hoje, não há mais ilusões. Já em 2007 o governador Sérgio Cabral adotou posição oposta à de Rosinha. E entendidos em leis descobriram que a criação das milícias equivale ao crime de formação de quadrilha. Isso ficou mais do que evidente com a guerra entre facções, como a que ocorreu entre os milicianos de Rio das Pedras e os da "Liga da Justiça".
Esta semana, a polícia prendeu o vereador conhecido como Deco, chefe de uma milícia que age em 13 favelas de Jacarepaguá. Ele é famoso, entre outras coisas, por ter planejado matar a chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha. Agora, a polícia se prepara para desmontar sua estrutura de poder, que se espalha por favelas com um total de 150 mil moradores e lhe proporciona renda mensal de cerca de R$400 mil.
É evidente que a ação policial contra os chefes de milícias deve ser prestigiada e continuada. Mas não pode ser ignorado o fato de que o seu poder foi instalado em comunidades não servidas adequadamente pelo poder público. O cidadão favelado paga os "impostos" exigidos pelos milicianos porque não tem alternativa.
O poder público tem dois caminhos, duas saídas. Por um lado, prender e julgar os "Decos". Por outro, não deixar espaços vazios para que outros milicianos os ocupem.
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