Cálculo político insensato
ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O Globo - 15/04/2011
Quando a inflação foge ao controle não é porque o governo seja malévolo. Não há governo que veja com bons olhos aumento de inflação. O descontrole quase sempre decorre de equívocos bem intencionados, advindos de percepções errôneas da real natureza do processo inflacionário, ideias mal concebidas sobre a melhor forma de contê-lo, visões distorcidas dos limites do possível na condução da política macroeconômica e apostas excessivamente arriscadas no combate à inflação.
A reação do governo à aceleração da inflação deixa entrever preocupante combinação desses vários equívocos. Agarrado à ideia de que se defrontava com um choque de preços de commodities, que nada tinha a ver com os excessos de 2010, o governo entendeu que, do lado da política fiscal, bastaria um gesto. E, mal terminada a espalhafatosa coreografia de corte de gastos de fevereiro, se permitiu anunciar nova e gigantesca expansão de crédito público bancada com recursos do Tesouro.
Mesmo sabendo que não poderá contar com o apoio da política fiscal, o Banco Central aceitou passar a combater a inflação envergando insólita camisa de força assimétrica, que lhe imobiliza o braço direito, que comanda a taxa de juros, e só lhe deixa livre o esquerdo, que aciona medidas macroprudenciais. A aposta do governo é que, com o que já foi feito e pouco mais, a inflação voltará à meta em 2012.
Mas a verdade é que, a essa altura, pouca gente acredita em desfecho tão favorável. Não é por outra razão que as expectativas de inflação se mostram tão desancoradas. Por mais que se esforcem, analistas independentes não conseguem vislumbrar a trajetória benigna, que o Banco Central e a Fazenda prenunciam, de queda súbita da inflação a partir do último trimestre deste ano, com suave volta à meta em meados de 2012.
Se a estratégia de combate à inflação do governo parece tão arriscada, é bom ter em mente possíveis desdobramentos de um cenário em que o governo se defronte com sério revés nessa aposta. Que tal se, em março do ano que vem, o governo afinal constatar que a inflação não cedeu como esperava? Que, muito ao contrário, após o reajuste de 14% no salário-mínimo, consolidou-se num incômodo patamar de, digamos, 8% ao ano, para não carregar nas tintas.
O país estará então a seis meses das eleições municipais e alarmado com o atraso das obras envolvidas nos preparativos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. É difícil acreditar que, nesse quadro, o governo, já no segundo ano de mandato, encontre espaço em sua equação política para acomodar uma escalada firme e determinada no combate à inflação para, afinal, trazê-la à meta em tempo hábil. O mais provável é que os custos políticos de fazer uma inflação de 8% ao ano convergir para 4,5% sejam considerados proibitivos. E que o governo tenha de aceitar a triste convivência com uma inflação dessa magnitude, tentando desesperadamente impedir que a rápida reindexação da economia agrave ainda mais a situação. Sem espaço para redução de taxa de juros e avesso a cortar gastos, o governo poderá estar fadado a atravessar o resto do mandato aos trancos e barrancos, às voltas com os custos de uma política macroeconômica cada vez mais incoerente.
Não é cenário que possa ser descartado. Mantida a estratégia de alto risco da atual política de combate à inflação, há uma probabilidade razoável de que, dentro de um ano, o governo se veja nessa situação. E, tendo em vista tal perspectiva, é difícil entender que cálculo político respalda aposta tão arriscada. Por que o governo mostra tão pouca disposição para assumir os custos de uma política de combate de inflação de menor risco no seu primeiro ano de mandato? Ao que parece, o cálculo político do Planalto ainda não deu o devido peso aos desdobramentos de uma aposta fracassada na atual política de combate à inflação. Mas o quadro parece estar mudando. Algumas das supostas certezas que vinham inspirando a aposta esfumaram-se nas últimas semanas. Quem sabe o governo, afinal, percebe o que, de fato, está em jogo.
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