Pelo menos podemos ter um debate político importante na Câmara dos Deputados, quando cinco partidos - PMDB, PT, PPS, DEM e PCdoB - apresentam um projeto de reforma política cujo ponto mais polêmico é o voto em lista fechada, e por isso mesmo seus autores o estão identificando como mera consequência do financiamento público de campanhas eleitorais, que seria o objetivo central da proposta. Como o financiamento público não se coaduna com a campanha individual, a mudança do atual sistema seria feita para permitir sua adoção. Os opositores da mudança lançaram o movimento "diretas sempre", rejeitando o que consideram ser o cerne do projeto reformista, o voto em lista fechada.
Embora a luta seja política, e não jurídica, pelo menos nesse primeiro momento, o deputado Miro Teixeira, que lidera o movimento contra a lista fechada, lembra que o artigo 14 da Constituição diz que a soberania popular se exerce pelo sufrágio "universal e direto".
Já o deputado Ibsen Pinheiro, que coordena o projeto de reforma, considera o voto uninominal e proporcional atualmente em vigor o culpado pelo que chama de "Câmara da crise". "Ele é o alimentador das crises institucionais que temos de tempos em tempos", diz.
Segundo Ibsen, de 1946 para cá, só houve duas espécies de presidentes da República: os que cooptaram a maioria, e os que foram depostos. "Não há terceira hipótese. A Câmara virou o paraíso das minorias, não há unanimidade, aqui tudo se pulveriza".
Segundo ele, o dano menos visível do atual sistema é provocar que qualquer minoria tenha capacidade de pressionar os deputados, "com prejuízo do gasto público, que paga a conta dos corporativismos".
O deputado Miro Teixeira considera que qualquer tipo de sistema eleitoral pode ser discutido, pode haver preferência por voto distrital puro, distritão ou misto, "mas com lista aberta, qualquer coisa que assegure o voto direto do povo".
A tentativa dos cinco partidos que apóiam a reforma é que o novo sistema já esteja em vigor nas eleições de 2010, e por isso optaram por reformas que não exijam quorum qualificado, como uma mudança constitucional.
A aprovação de um projeto de lei ordinário exige quórum mais baixo - maioria simples, ou seja, metade mais um dos presentes, que precisam ser de no mínimo 257, metade mais um do total de deputados.
O voto pode ser até mesmo de liderança, por votação simbólica, e por isso o movimento dos opositores em plenário pretende se organizar para poder fazer obstrução ou pedir a checagem dos votos.
Eles vêem na tentativa de fazer uma reforma fundamental, como a introdução do voto em lista fechada, por maioria simples como uma espécie de golpe parlamentar.
Ibsen Pinheiro diz que tem a convicção de que só uma Câmara eleita por um processo partidário de escolha terá estabilidade para instituir uma forma de voto distrital. "Essa Câmara pulverizada que temos hoje não tem meios de aprovar uma mudança constitucional".
Ele também diz que não há eleição menos direta do que a atual, "onde você vota em um e elege outro. Apenas 19 deputados federais estão na Câmara por votação própria, os demais foram eleitos pelo voto da legenda partidária".
O texto do movimento "diretas sempre" diz que os subscritores se comprometem a lutar por todos os meios legais para que não seja retirado do povo o direito de escolher pelo voto direto os cargos legislativos do país. "O respeito ao cidadão pela garantia do voto direto", resume Miro Teixeira.
Dos quatro pilares em que se baseava a proposta original - lista pré-ordenada, financiamento público de campanha, fidelidade partidária, e federação de partidos -, apenas os dois primeiros permaneceram intocados.
Instrumentos como a fidelidade partidária e as cláusulas de barreira para os partidos políticos funcionarem perderam a relevância política, na ótica dos dirigentes dos cinco partidos, por que o fortalecimento partidário se daria em detrimento da atuação individual do deputado e da dispersão partidária.
As coligações, por sua vez, terão que ser predeterminadas, em uma lista conjunta dos partidos que integrarem essa espécie de "federação de partidos".
Ao contrário do projeto anterior, que previa penas bastante severas para os políticos que utilizassem o "caixa dois", e também para as empresas que burlassem o sistema de financiamento público de campanha, o projeto que será apresentado amanhã não parece dar muita ênfase ao tema por que, na definição de Ibsen Pinheiro, o financiamento público "quebra a lógica do caixa dois".
Um dos pontos que mais mobilizam os defensores do projeto de reforma política é que o custo das campanhas eleitorais cairia drasticamente, já que apenas os partidos farão campanha, e não os milhares de candidatos individualmente.
Consideram também que as campanhas eleitorais tomarão menos tempo. A lógica da partidarização das eleições deverá também reduzir o que Ibsen Pinheiro chama de "carguismo", isto é, a disputa pela indicação de cargos.
Se é o partido que terá relevância política, as indicações obedecerão a critérios partidários, e não individuais.
Os opositores do sistema indicam que esse controle das verbas eleitorais e das indicações políticas fará dos comandos partidários oligarquias políticas com poderes muito ampliados.
Em alguns países, como na Argentina, esse sistema desaguou num nepotismo acelerado dos grupos políticos que dominam a máquina partidária.
Os defensores da reforma consideram que o voto partidário fará uma alteração fundamental na política brasileira, e Ibsen Pinheiro chega a dizer que a aprovação terá reflexos ainda nesta atual Câmara, favorecendo um relacionamento partidário mais estável.
Eu continuo achando que esse debate só terá legitimidade num futuro Congresso, sob um novo governo. |
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