O GLOBO - 25/05
Deve-se acompanhar as crises, para se ter a dimensão dos efeitos da aplicação de políticas que, em nome de ideologias, desrespeitam as leis mais simples da economia
Reportagem recente do Jornal Nacional, feita em Buenos Aires, mostrou o crescimento das vendas de máquinas de contar cédulas. O motivo: com a disparada da inflação, aumenta bastante a quantidade de cédulas em circulação. Para não perder tempo, comerciantes passam a usar estas máquinas, normalmente de uso quase exclusivo de bancos, em tempos normais.
O fenômeno é conhecido. Fazem parte dos compêndios de história econômica cenas de carrinhos de mão lotados de cédulas levados pelas ruas na Alemanha, durante a hiperinflação dos anos 1920. A própria Argentina passou por experiência semelhante no governo de Raúl Alfonsín, na década de 80. Durantes alguns dias, no auge da crise, no fim do melancólico governo do líder do União Cívica Radical, faltaram cédulas de austral (moeda lançada à época) nas casas de Câmbio da calleFlorida, porque uma rotativa da Casa da Moeda havia quebrado. Não se pode dizer que a história se repetirá. Mas o argentino, não é de hoje, já reage diante do risco de um videoteipe de maneira previsível: procura poupar em dólar. As perspectivas são, no mínimo, sombrias.
As eleições presidenciais serão apenas em 2015, e a tendência é Cristina Kirchner apenas administrar a crise de forma a não agravá-la. Dificilmente um governo populista como o dela tomará as medidas de ajuste necessárias para reverter a falência de sua política. Mas a inflação pode chegar este ano a 35%. E, quanto ao ritmo da economia, na melhor hipótese ela ficará estagnada em 2014.
Outro aliado estratégico de Brasília, a Venezuela, se encontra num estágio mais avançado de debacle. Sem um líder supremo, com a morte de Hugo Chávez — possibilidade de não haver sucessor é grave defeito nas autocracias —, o país, já em crise, caiu no colo do motorista de ônibus Nicólas Maduro, sindicalista ungido em vida por Chávez. Sem carisma, o novo presidente sequer consegue entreter as massas.
Também em grave crise política — contabilizam-se, até agora, cerca de 80 mortes em conflitos de rua —, o país padece de sério desabastecimento, pois a política de estatização do “Socialismo do Século XXI” desarticulou a produção, afugentou investidores e faltam até mesmo divisas para importações — algo bizarro para um país dono de uma das cinco maiores reservas de+ petróleo do mundo. A inflação chegou a 56%, no ano passado, e se prevê uma recessão de 1,4% neste ano. Também não haverá saída fácil para a Venezuela.
Por razões evidentes, calaram-se, no Brasil, os defensores das políticas econômicas argentina e venezuelana — não quer dizer que deixaram de apoiar o kirchnerismo e o chavismo, do ponto de vista político e ideológico. Mas é aconselhável acompanhar de perto as duas crises, para se ter a dimensão das consequências da aplicação de modelos que, em nome de ideologias, não respeitam as leis mais simples da economia.
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