GAZETA DO POVO - PR - 25/05
Carta aberta acusa exame internacional de transformar escolas numa verdadeira corrida de cavalos. Debate é legítimo, assim como a chacoalhada que a avaliação dá nos participantes acomodados
O Pisa (sigla em inglês para o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), quem diria, deu de receber mais vaias do que aplausos. O teste trienal para estudantes de 15 anos foi iniciado nos anos 2000, atinge 500 mil alunos, é de responsabilidade da OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – e até onde se sabia, gozava de prestígio entre os educadores. Os ventos mudaram de lado, com fúria. Neste mês, uma centena de educadores – a maioria deles de nações ricas – mandou uma carta aberta à OCDE, dando início a uma lavagem de roupa suja digna do Terceiro Mundo. O Pisa não lhes parece adequado. Estimula a competição “categoria safári”, fazendo com que as escolas se moldem a ele, numa lógica do “feito à imagem e semelhança” jamais visto desde a criação do mundo.
Ou seja, em vez de exercícios criativos, debates morais e outras propostas similares pautadas pelo prazer, passam a se preparar para ingressar no exército de Esparta, aumentando sobremaneira o grau de estresse dos alunos. Num tiro de misericórdia, os protestantes questionam por que cargas d’água a OCDE teria alguma relevância em tratar de educação, já que a escola não veio ao mundo para alimentar a economia. Passado o susto, a reação da elite que participa do Pisa pode ser vista como uma revolta natural, típica de gente que não se rende a saqueadores de mente e outras pragas. Entre os 65 países convidados – a última colocação do Brasil, em 2012, é um 58.º lugar – estão os países que ocupam o topo da educação, como nos nórdicos e alguns asiáticos; candidatos a ocupar o topo, a exemplo da Polônia, e convidados a uma participação especial, que passeiam por ali “sem compromisso”. É o caso do Brasil.
Para países cuja qualidade do ensino tem as variações de uma montanha-russa último tipo, o Pisa sempre soou como uma ótima oportunidade – para se divertir e para sofrer. Lado a lado de quem, para além de todos os discursos, conseguiu colocar a educação no primeiro plano, o teste possibilita, literalmente, saber em que ponto estamos. Em defesa do próprio Pisa, o diretor do projeto, Andreas Schleicher – em entrevista ao The Guardian – lembrou que o teste não foi feito para humilhar ninguém. Antes, nasceu para democratizar saberes, estratégias educacionais e não são poucos os países que tiram proveito dessa espécie de festa escolar globalizada. Muitos encontraram no Pisa subsídios para sanar suas misérias – incluindo misérias educacionais que persistem nos países endinheirados. Mais do que medidor autoritário de competências, o Pisa seria um distribuidor de competências. A última edição, por exemplo, apostou na “resolução de problemas”, uma recomendação pedagógica que torna a sala de aula bem menos enfadonha do que costuma ser. Algum problema nisso?
É provável que o Pisa não seja tão mau quanto o acusam. Não é um vilão disfarçado de avaliador. De qualquer modo, a carta aberta ajuda a considerar que a educação vive de fato o impasse da competência. Ao se render em demasia a expedientes torturantes do mundo corporativo, corre o risco de se confundir tanto com a empresa, a ponto de que não se reconheça mais como escola. Passar essa régua, delimitado até onde ir na testagem, é tarefa que exige perícia, um dilema que os educadores precisam enfrentar. Os descontentes reclamam que testes como o Pisa passam a pautar a pedagogia escolar. Aos que entendem que os testes ajudam a melhorar o desempenho da escola vale lembrar que a recíproca é verdadeira: instituições de ensino que confundem em demasia desempenho com aprendizado correm o risco de não se reconhecerem diante do espelho. Para o Brasil, o Pisa tem funcionado como um bom sabão. Tudo o que supúnhamos sobre nós se confirma a cada edição. Somos molengas no estudo da ciência, negligentes no ensino da matemática e damos muita folga nos exercícios de leitura, as três áreas contempladas pelo Pisa. Temos pagado caro por fazer bonito nos discursos pedagógicos e tropeçado nesses expedientes básicos que garantem todo o resto.
Muitos podem argumentar que não é preciso um teste internacional para nos jogar isso na cara. Já sabíamos. Mas como o Brasil está na moda e estamos adorando nos ver lado a lado com os outros – para saber qual é nossa real altura – a prova bem que nos deu um choque de realidade. Basta dizer que não há país desenvolvido no mundo com tantos índices capengas. É um sinal. É um recado. Para estar lá – onde os esforçados poloneses querem estar – vamos ter de ralar: no criativo, no lúdico e na vida como ela é. O Pisa pode até não nos representar, mas fala ao nosso ouvido.
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