O Estado de S.Paulo - 25/05
Durante anos, a indústria automobilística utilizou as campanhas de recall - por meio das quais informa o público sobre os riscos apresentados por determinados produtos ou serviços e convoca seus clientes para substituí-los ou repará-los - como um instrumento para impulsionar suas vendas, pois com elas os fabricantes de veículos estariam demonstrando atenção especial com o conforto e a segurança dos usuários. O que as campanhas de recall vêm revelando, no entanto, é que, envolvidas numa disputa acirrada em escala global, as empresas foram ficando cada vez mais desleixadas quanto à confiabilidade de seus produtos e à integridade física dos usuários de seus veículos.
O atraso na convocação de campanhas para reparação dos defeitos, em alguns casos detectados até dez anos antes, é a indicação mais clara de que a preocupação com os clientes nunca foi mais do que uma frase de marketing. Para ganhar fatias do mercado, as montadoras passaram a jogar não apenas com a preferência do consumidor, mas, em determinadas situações, também com a vida do consumidor. As mortes comprovadamente decorrentes de defeitos de fabricação de automóveis tornaram inviável a continuidade dessa prática mercadológica eticamente insustentável. O recall não é, nem nunca foi, demonstração de preocupação do fabricante com seu cliente; é demonstração de falha em alguma etapa do processo de produção.
No Brasil, o recall mais recente foi feito pela General Motors (GM), envolvendo 238,4 mil veículos de diferentes modelos. Ao protocolar a campanha na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, a empresa informou que havia sido constatada "não conformidade"em filtros de combustível. Não se trata, porém, de um defeito trivial.
Dessa "não conformidade", como reconheceu a empresa, podem resultar vazamentos de combustível, com o risco de ocorrência de "princípio de incêndio" e também de desligamento repentino do motor por falta de combustível. Em outras palavras, o carro pode se incendiar ou o motor pode "morrer" e, assim, causar colisões e "lesões graves ou até fatais aos ocupantes e terceiros".
Para a empresa, que como outras do setor opera nos mais variados mercados, o recall de modelos comercializados no Brasil é até um problema insignificante se comparado com as campanhas que a matriz americana vem fazendo. Com a mais recente convocação de seus clientes, anunciada há dias e envolvendo 2,8 milhões de veículos vendidos mundialmente, só as campanhas de recall iniciadas neste ano pela GM já envolvem 15,4 milhões de unidades que necessitam de reparo para evitar acidentes.
A montadora foi multada em US$ 35 milhões pelo Departamento de Transportes do governo americano por demorar mais de dez anos para revelar um defeito na ignição que afeta milhões de veículos e pode ter sido a causa de pelo menos 13 mortes. Companhias de seguro citam um número bem maior do que esse.
O problema, ressalve-se, não se limita a essa fabricante. É muito mais amplo. No início de abril, por exemplo, a fabricante Toyota - que disputa ferozmente com a GM a liderança mundial - anunciou no Brasil o recall de 95 mil veículos produzidos entre 2005 e 2011, por problemas no cabo de conexão do airbag, que pode não inflar em caso de acidente. A campanha no Brasil é parte de um recall mundial da montadora, que envolve 6,4 milhões de veículos, com defeitos variados, além do airbag, como volantes e assentos. Apesar do número de unidades com falhas, essa é apenas a quarta maior campanha mundial da montadora.
No Brasil, só no ano passado, nada menos do que 58 campanhas de recall foram protocoladas na Senacon por fabricantes de veículos. A mais ampla envolveu 186,9 mil unidades do Honda Fit, para a troca de interruptores dos vidros elétricos. O maior recall registrado no País foi feito pela GM em 2000 e envolveu 1,3 milhão de automóveis Corsa, com problemas no cinto de segurança, que podiam se soltar quando submetidos a trações mais fortes, como em caso de colisões.
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