O Estado de S.Paulo - 25/05
Viajei esta semana a Cuiabá para participar de um evento e levei um choque. Embora soubesse que lá a preparação para a Copa não ia bem, a situação ao vivo e em cores mostrou-se muito pior do que imaginava. No aeroporto, a única coisa pronta é a parte velha e tudo indica que pouco vai mudar até o dia 13 de junho, data do primeiro jogo a ser lá realizado. Apanhar um táxi é uma aventura, tal é o estado da praça em frente ao terminal de passageiros. A jovem que vendeu o tíquete da Cooperativa pediu que tivesse cuidado para não ser atropelado, dada a confusão de veículos.
O aeroporto fica no município de Vargem Grande e é relativamente distante do centro de Cuiabá. Todo o trajeto foi feito por ruas secundárias, numa incrível confusão viária. As vias principais estão em obras e não me parece que estarão adequadamente prontas até junho. Finalmente, o mais incrível é que a construção do veículo leve de transporte (VLT) está no seu início, mas os buracos ocupam o canteiro central da avenida. Com humor resignado, um executivo de lá me disse que até a Olimpíada a obra deverá ficar pronta. Pena que o evento seja realizado no Rio de Janeiro.
O descrito acima ilustra uma realidade bastante clara. O efeito econômico da Copa será muito menor do que o imaginado por seus organizadores. Os investimentos serão muito menores do que os prometidos, concentrando-se mais nas próprias arenas, boa parte das quais ficará completamente subutilizada nos anos subsequentes, uma vez que não há torcida que preencha minimamente muito dos estádios (meu filho, André, informou-me que a última final do campeonato amazonense foi assistida por pouco mais de 3.100 espectadores), incluindo grandes eventos musicais. Poucos investimentos que deixariam efeitos multiplicadores permanentes, como metrôs, VLTs, trens e outros do tipo, foram realizados.
Além disso, a Copa pouco empolgou a população, como mostrou pesquisa recente do Datafolha, quando 66% das pessoas consultadas disseram que o evento trará mais prejuízos do que benefícios para o País. Essa percepção reforçou uma situação de redução nas expectativas de consumidores e produtores, acelerando a queda na atividade. Não apenas os produtos associados à Copa venderam pouco, como boa parte do comércio relata uma alta inesperada de estoques, levando muitos fornecedores a reduzir a sua atividade. A Whirlpool, por exemplo, acaba de dar férias coletivas para 5 mil dos seus funcionários, reforçando o movimento de outros setores importantes, como o setor automotivo. É bastante provável que alguns desses funcionários sejam dispensados nos próximos meses.
Os inúmeros feriados dos próximos dias também contribuirão para a redução das vendas, produção e PIB. Como as pesquisas mostram, as expectativas empresariais também estão sendo afetadas pelas incertezas e custos associados à energia elétrica, e a taxa de investimentos deve se manter relativamente estável, similar ao baixo nível dos últimos anos.
Não tenho dúvida que deveremos rever, para baixo, nossa atual projeção de 1,3% para o crescimento do PIB deste ano, ainda mais uma vez.
Com esse cenário, a estagnação econômica dos últimos quatro anos estará mais do que caracterizada. Um período longo como esse revela algo estrutural e não um evento fortuito. Fica demonstrado que algumas das hipóteses utilizadas pela política econômica atual se mostraram totalmente equivocadas, a saber:
(1) Um pouco mais de inflação não criaria problemas. Desde que o teto da meta não seja ultrapassado, tudo estará bem. Como se sabe, não apenas a inflação deste ano vai ultrapassar o teto da meta, como a redução e controle artificial de preços de energia e de transportes tem de ser mantida a qualquer custo;
(2) Bastaria estimular a demanda, que a oferta cresceria. Na realidade, isso até aconteceu, mas o que cresceu mesmo foram as importações. Que o diga a indústria;
(3) Os investimentos subiriam com o tamanho do orçamento do BNDES e outros bancos públicos, bem como no volume de incentivos (ou como gosto de chamar, caramelos) tributários. Os dados do IBGE mostram a estagnação na taxa de investimento brasileiro em níveis compatíveis apenas com crescimento modestíssimo, como o dos últimos tempos;
(4) Os investimentos subiriam em decorrência de um intenso ativismo governamental que criasse "modelos" para as operações das empresas. O desastre do setor elétrico ilustra bem o que ocorreu;
(5) A economia cresceria puxada por uma elite de super campeões nacionais. Além de não existir crescimento, vários desastres empresariais recentes mostram a fragilidade da proposição. A realidade é que não existirão muitas empresas campeãs globais num sistema pouco competitivo. E o Brasil vai muito mal no quesito competitividade. O indicador do IMD, divulgado na semana passada, mostra que, nos últimos quatro anos, o Brasil perdeu posições, caindo do 38.º lugar para o 54.º, num grupo de 60 economias analisadas. Como colocou o professor Carlos Arruda (da Fundação Dom Cabral e coordenador do estudo), "entre 2010 e 2013, o Brasil vinha perdendo posições relativas, porque a competitividade de outros países vinha aumentando. Agora, em 2014, aconteceu algo diferente, a perda foi absoluta. O Brasil perdeu para ele mesmo. A competitividade, de fato, diminuiu".
Os casos de sucesso, como a Embraer, ainda são exceções e resultam de um processo de longo prazo e de condições especiais. Ainda assim, como mostra a própria Embraer, não haverá campeões de verdade sem um desenvolvimento tecnológico contínuo e consistente. O exemplo da cadeia do agronegócio é ilustrativo: seus custos (de mão de obra, logística e tributários) têm subido como em todos os outros setores da economia. Entretanto, a cadeia é competitiva porque há uma contínua elevação da eficiência e da produtividade, que permite a absorção de maiores despesas sem perda de competitividade nos mercados globais.
Como não me canso de repetir, crescer não é fácil. Discursos triunfalistas não resolvem o problema.
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