FOLHA DE SP - 20/02
Anúncio da meta de superavit não pode ser marketing do governo; tem de ser início da mudança
GOVERNO deve contar hoje ao público quanto pretende poupar dos dinheiros que arrecada. Em tese, trata-se de uma das notícias mais importantes do ano. Em tese.
A meta de poupança não pode ser "para inglês ver". Além do mais, dados os estragos dos últimos anos, consertar a torneira vazante dos gastos nem de longe basta para colocar ordem na casa.
Antes de mais nada, esclareça-se que o governo não poupa nada. Essa meta a ser anunciada hoje, o superavit primário, desconsidera gastos com os juros da dívida pública. Contados os juros, há deficit.
O anúncio dessa meta de superavit primário tornou-se mais relevante neste ano porque o governo do Brasil tem perdido crédito na praça (por tabela, a economia do Brasil também).
Na prática, isso significa que os credores cobram juros maiores do governo. Para piorar, empresas classificadoras de crédito ameaçam rebaixar formalmente a nota de crédito do Brasil. O governo do Brasil ficaria com o "nome menos limpinho na praça" (paga juro mais alto, recebe menos investimento).
Ao dizer de modo crível que pretende controlar gastos, o governo indica que a dívida não vai crescer de modo a se tornar impagável. Os credores, "o mercado", querem o dinheiro de volta, com um retorno gordo.
Mas o problema vai além da meta crível de superavit. Decerto uma poupança mínima ajuda também a controlar a inflação, por exemplo. A meta crível joga água na fervura dos juros em alta e de outras degradações financeiras do país. Os credores ficam menos desconfiados, os empresários, também (muita vez, trata-se da mesma pessoa).
O deficit e a dívida do governo federal crescem também devido a outros vazamentos, como despejar dinheiro nos bancos estatais a fim de estimular o crédito e a economia (o que foi, a partir de 2010, contraproducente). Devido a erros rudimentares, como subsidiar o preço da energia elétrica. Devido a vazamentos enormes, como gastos descontrolados com seguro-desemprego e Previdência.
O conserto vai parecer remendo se o governo não apresentar plano para conter os aumentos de gastos acordados para os próximos anos (em geral, gastos sociais). O corte de agora nem tem como ser muito grande, pois o governo está no osso.
A obra vai parecer mais profissional se o governo der cabo de tabelamentos disfarçados de preços e outras intervenções inúteis na economia (sim, existem intervenções úteis).
Enfim, não se trata de "recuperar credibilidade", apenas, de propaganda, de melhorar a "relação com o mercado", de lançar um programa com nome fantasia, "Brasil Mimimi", "Brasil Bonitinho", "Meu Mercado, Meu Amor". A política econômica do governo causou desarranjos reais nas finanças e no funcionamento do mercado (para nem falar das omissões graves).
Investidores refugam porque acham que vão perder dinheiro, simples assim. O descrédito é real, nos enfraquece de fato, e atrai urubus, "especuladores".
Feito o conserto, porém, não virá o bis do "espetáculo do crescimento". Isso tudo é obra para colocar a casa minimamente em ordem, evitar degradações maiores e, a seguir, pensar no que vamos ser quando crescermos --se queremos crescer.
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