O Estado de S.Paulo - 20/02
Lá se foram 20 anos. Puxa. Parece que foi ontem. Vinte anos de Plano Real (1994). Estão nas universidades - pelo menos têm idade para tanto - os brasileiros que nasceram naquele ano. Sabem, ou pelo menos já ouviram falar, que no ano em que nasceram foi baixado o Plano Real, por um presidente da República chamado Itamar Franco, cujo ministro da Fazenda era Fernando Henrique Cardoso.
O que os moços e moças de 20 anos de idade talvez não tenham ideia, nem poderiam ter, é da sensação, do sentimento de angústia e desespero de conviver com uma taxa de inflação de 2.477%, como foi a do ano de 1993, anterior ao Plano Real, quando "o dinheiro virava pó em questão de horas", como diz Claudio Conceição, editor da revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas. Basta lembrar que a chamada "compra de mês" tinha de ser feita praticamente no dia do pagamento. Os pobres, principalmente, se angustiavam mais, pois tinham de comprar tudo o que podiam comprar em um só dia. No dia seguinte, já não poderiam. Comprar aos pouquinhos, indo várias vezes ao mercado, era um hábito que arriscava deixar vazia a "mesa do pobre", tão defendida pelos demagogos de televisão. Na sua última edição, a revista traz um artigo especial, seguido de importantes entrevistas, sobre "as duas décadas de estabilização monetária, sem acertar a fórmula do crescimento sustentado".
Na frase está embutida a pergunta que Conceição faz no editorial da revista e que também há muito me intriga: se fomos capazes de debelar o fantasma da inflação (e que inflação!), o que deu errado que não colocou o Brasil no rumo do crescimento? Principalmente do crescimento sustentado?
Pós-Plano Real, o crescimento do PIB tem sido, na melhor das hipóteses, uma caixinha de surpresa, com variações tão díspares, em 20 anos, como 7,5% no ano de 2010 e (-) 0,3% no ano precedente. O crescimento do PIB tem ficado entre 2,5% e 3,5%, bem abaixo dos 6% a 7% dos anos anteriores aos anos 80, quando o Brasil crescia robustamente mesmo com uma inflação também robusta. Seria, pois, o caso de perguntar se uma boa taxa de crescimento econômico exige uma taxa também boa de inflação.
Pergunta de tolos, porque já ficou claro, historicamente, que a inflação é como uma bola de neve: quando começa a rolar, é terrivelmente difícil evitar a calamidade final. Por isso, o que aconteceu em 1994 foi tido como milagre: deteve-se subitamente uma inflação de mais de 2.400% ao ano. Na verdade, houve um quê de mágica, graças à proposta dos jovens economistas que engendraram o Plano Real: a criação da lendária Unidade Real de Valor (URV). Os produtos cotados em URV ficaram com esse valor estabilizado, enquanto a moeda corrente se desvalorizava. Algum tempo depois, já não se falava em CR (cruzeiro real), mas em URV. Um quilo de carne valia tantas URVs. Ponto final.
Esse truque matou a "memória da inflação", pois os preços em URV não mudavam. Foi então que se tornou possível trocar a URV por uma nova moeda, livre da doença da inflação, o real, que temos até hoje.
Atualmente, a inflação está voltando. Sem a virulência de então. Pequenininha, por enquanto. Mas estamos sem crescimento. Temos estagflação - estagnação com inflação. Quadro ainda não tenebroso, mas temível.
Por quê?
Arrisco resposta de jornalista, não de economista: porque nada mudou, a não ser a moeda. Continuamos com baixa produtividade do trabalho, baixa taxa de investimento privado, alta taxa de desperdício público, excesso de exação fiscal, baixíssima taxa de inovação tecnológica, baixo nível de aproveitamento escolar, alto nível de analfabetismo real e funcional, alto grau de demagogia política. Somam-se os aumentos da criminalidade e da superpopulação urbana, a falência dos transportes, a insegurança nas famílias, a incerteza sobre o futuro.
Brindemos, pois, a 20 anos de relativa estabilidade monetária. E atiremos cinzas à cabeça por 20 anos de nenhum desenvolvimento em nada!
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