O GLOBO - 20/02
Dilma está apanhando uma seca parecida com a de FH. A presidente também apanhou com os efeitos da crise financeira
Uma coisa a gente precisa admitir: a presidente Dilma é azarada. Bem ao contrário do sortudo presidente Lula.
É verdade que Dilma fez escolhas que se mostraram equivocadas, como a tentativa de crescer via consumo e as intervenções nos juros, nos preços, no sistema elétrico. Mas não é menos verdade que o ambiente foi desfavorável.
Se FH, também azarado, havia padecido com as sucessivas crises dos emergentes (México 94, Coreia 97, Rússia 98), Lula assumiu a Presidência em 2003, quando o mundo todo exibia um crescimento exuberante. E, especialmente, no momento de máxima aceleração da China, o que turbinou nossas exportações e trouxe uma enxurrada de dólares para o país. Pela primeira vez na história, o Brasil teve sobra de dólares.
Caiu do céu. Do céu internacional e do agronegócio, sempre tão hostilizado pelo PT. Pois foi o agronegócio que trouxe a maior parte dos dólares.
Lula também usufruiu dos benefícios da estabilização monetária, iniciada com o Real em 1994 e consolidada no início de seu governo, o que permitiu a volta do crédito, turbina do consumo.
Verdade que veio a crise financeira dos EUA (2009). Mas, como todos os demais emergentes, o Brasil estava mais preparado, em razão mesmo das reservas de dólares.
E, se FH havia sofrido com a maior seca da história, Lula ganhou períodos generosamente chuvosos. Verdade que houve enchentes e alagamentos, mas o apagão teria sido pior.
E, por falar em azar, Dilma está apanhando uma seca parecida com a de FH. A presidente também apanhou com os efeitos da crise financeira. Primeiro, pegou recessão nos países desenvolvidos e, quando estes começaram a se levantar, os emergentes, e especialmente a China, desaceleraram. O comércio externo virou, dos superávits enormes, para um déficit real.
O Fed, banco central dos EUA, primeiro inundou o mundo de dólares baratos, forçando a valorização das moedas emergentes; agora, está retirando dólares, forçando desvalorizações — e inflação.
Os efeitos da estabilização monetária e da volta do crédito se esgotaram. E os truques da era Lula, como a falsa capitalização da Petrobras ou a equivocada aliança Sul-Sul, começaram a mostrar seus efeitos negativos.
O Brasil e os emergentes em geral, de queridinhos, viraram fonte de instabilidades.
Só falta Dilma perder a Copa.
Com racionamento?
De uma entrevista na CBN (quarta-feira) com o engenheiro Mário Veiga, presidente da consultoria PSR, e um dos mas respeitados especialistas no setor elétrico:
— Há um risco de racionamento de 18,5%; racionamento, no caso, quer dizer, falta de mais de 4% da demanda por energia, algo equivalente a deixar sem luz 12 milhões de residências;
— Embora seja verdade que, por oposição, há uma chance de 81,5% de não ocorrer racionamento, o risco de 18,5% é muito elevado para os padrões do sistema;
— O problema não decorre da atual seca, nem do excesso de demanda; o sistema vem dando sinais de dificuldades há anos;
— Não é o caso de se recorrer agora a um racionamento preventivo; dá para esperar até abril, ou seja, até o fim do período de chuvas; pode ser que São Pedro ajude; mas um racionamento é uma complexa operação, que não pode ser improvisada; ou seja, deveria estar sendo preparada;
— Há óbvios atrasos na entrada em operação de usinas e sistema de distribuição;
— Há problemas estruturais; não se pode dizer que está tudo em ordem quando o sistema está usando todas as termoelétricas (espécie de seguro) e quando as usou mesmo em tempos de chuva;
— Os últimos anos mostram também uma série de trapalhadas do governo, que deixaram distribuidoras sem energia contratada, obrigando-as a recorrer ao mercado livre, pagando preços muito mais elevados (hoje, de R$ 1.700/megawatt/hora);
— O prejuízo tem que ser pago pelo Tesouro (pelo contribuinte brasileiro) ou pelo consumidor, na tarifa, já que a culpa do desequilíbrio financeiro não é das distribuidoras, nem das demais empresas do setor.
— Simplificando, e sem contar os rombos do ano passado, o Tesouro teria que repassar, em 2014, cerca de R$ 24,5 bilhões; ou aplicar um aumento de tarifas de 24%.
Eis, portanto, o dilema da presidente Dilma: aumentar o gasto público — e prejudicar a realização do superávit primário, num ambiente de desconfiança com as contas do governo — ou elevar tarifas, com forte impacto numa inflação já alta, isso exigindo juros mais altos — tudo com prejuízo político.
Uma bela enrascada — trapalhadas em cima de azar.
(Íntegra da entrevista no site cbn.com.br ou em sardenberg.com.br ).
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