quinta-feira, janeiro 16, 2014

Economia morna, sociedade quente - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 16/01

País vive inédita calmaria econômica com crescimento baixo, mas nervos sociais estão eletrizados


OS HUMORES SOCIAIS têm flutuado tanto ou mais que o preço do dólar desde o ano passado. A associação não é tão disparatada assim. Tanto "a rua" como o câmbio podem ter efeitos importantes na política e na economia deste ano. Desta vez, mais a rua do que o câmbio. De resto, a rua parece mais inescrutável do que mumunhas da finança.

Há calmaria no mundo econômico "real", cotidiano, do povo miúdo, uma tranquilidade pantanosa, uma relativa satisfação em relação ao nível de consumo e emprego em tempos de crescimento baixo, algo inédito pelo menos desde os anos 1950 (desde sempre?) neste país de euforias e crises cataclísmicas. O dito do "povo vai bem, a economia vai mal" já é repetido sem sarcasmo até por "formadores de opinião".

Mas uma insatisfação está solta nas ruas. Várias insatisfações, aliás, muitas delas esquecidas até que um grupo manifestante ou desmandos da polícia incentivem o retorno do reprimido, o desgosto com a vida mais ou menos horrível nas cidades, a depender do bairro do freguês.

De modo inesperado, a terra treme mais ou menos; de modo imprevisível, a casa por vezes cai, outras não.

Está claro que se trata aqui dos protestos, que receberam adesão maciça; de black blocs e "vândalos", que surpreendentemente dividiram opiniões; do rolezinho que enrola até o Planalto, ainda de desdobramento insondável. Há o ensaio de tumultos para a Copa, que começa no dia 25. Há quebra-quebras aleatórios, mas recorrentes.

Tão impossível de prever quanto a adesão aos protestos de junho de 2013, porém, é a resistência do ânimo protestante ao longo deste ano. O clima social quente desde o inverno do ano passado pode mesmo passar a ter efeitos inversos, uma saudade de "ordem" por excesso de tensão. Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria.

Ainda assim, parece que a conversa deste ano eleitoral é um tanto diferente. Óbvio que renda, inflação e emprego mudam humores eleitorais. Até pode haver algum abalo econômico, a depender do dólar, do efeito dos juros que o Banco Central elevou a passo rápido mais uma vez ontem, de equívocos adicionais da política econômica. No entanto, em condições normais, não há tanto tempo para obrar um desastre.

Os nervos sociais é que parecem mais irritáveis, politicamente sensíveis a uma gama muito maior de impressões do que de costume.

Os nervos estão eletrizados por causa de trânsito, ônibus, cor da pele, desmando policial, do posto de saúde sem médico ou com médico cubano, do jatinho do senador, da proibição do pancadão funk, da Copa, o que seja e o que vier.

Tudo isso sempre foi problema e motivo de queixa. Mas parece que essa irritação está dando um "rolezaum".

ERRO, "CRIMINOSO"

Na coluna de ontem, "Fogo nos ônibus, clima quente", este colunista cometeu um erro. No subtítulo, escreveu: "Em São Paulo, incêndio de ônibus se torna protesto' mais comum, nem sempre criminoso". Incendiar ônibus, porém, sempre é crime. A intenção, no caso, era dizer que nem todos os ônibus têm sido incendiados por criminosos contumazes. Em alguns casos, os ônibus são queimados durante protestos de natureza variada, que não são promovidos por bandidos. Ainda assim, trata-se de crime.

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