O Estado de S.Paulo - 10/12
O governo brasileiro tem motivos especiais para festejar o sucesso da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Bali, na Indonésia. O acordo entre os 159 participantes deu novo fôlego à maior negociação comercial da história, a Rodada Doha, reforçou o prestígio da OMC e foi a primeira vitória do novo diretor-geral da entidade, o brasileiro Roberto Azevêdo. Ruim para todos, o fracasso teria sido um desastre para o Brasil, porque seria mais uma derrota do sistema multilateral. Há dez anos a diplomacia petista pôs de lado os acordos com os países mais desenvolvidos, adotou uma política terceiro-mundista e subordinou a estratégia brasileira a um Mercosul cada vez mais emperrado pelo protecionismo argentino. Ao mesmo tempo, manteve a bandeira do multilateralismo, enquanto no resto do mundo se multiplicavam acordos bilaterais e inter-regionais.
Embora modesto em termos materiais, o pacote de Bali renova as possibilidades do multilateralismo. Mas novos avanços serão trabalhosos e acordos parciais continuarão sendo construídos. Em alguns casos, esses acordos poderão criar referências para a negociação mais ampla. Isso poderá ocorrer, por exemplo, na área de serviços, a partir de entendimentos entre várias grandes economias, incluídas a americana e a chinesa.
O governo brasileiro insistirá num erro perigoso, se continuar fora dos grandes arranjos parciais de comércio. O primeiro passo de uma ação mais eficiente será concluir um acordo com a União Europeia, com ou sem apoio argentino. Os europeus já mostraram disposição de avançar nesse entendimento, mesmo com a participação de apenas alguns países do Mercosul. Caberá à diplomacia brasileira, se for capaz de realismo no âmbito regional, criar uma solução para o impasse no bloco.
Será prudente seguir o mesmo critério nas próximas etapas da Rodada Doha, buscando objetivos ambiciosos e estimulando os parceiros regionais a tomar o mesmo caminho. O pacote de Bali só foi fechado quando o prazo inicial já estourava. Algo parecido havia ocorrido no lançamento da rodada, em 2001, no Catar, quando a negociação se estendeu muito além do tempo previsto. Mas a agenda era imensamente mais complicada e inovadora.
Em Bali, o compromisso mais importante foi sobre a facilitação de comércio - medidas para desburocratizar e simplificar entradas e saídas de mercadorias e dar mais transparência às regras. Ainda assim, será preciso oferecer assistência a alguns países para a realização do trabalho. Muito mais difícil foi o entendimento em torno da pretensão indiana de manter subsídios à formação de estoques de segurança alimentar.
Também foram acertados benefícios para os produtores africanos de algodão e os ministros do mundo rico reafirmaram o compromisso de liquidar em alguns anos os subsídios à exportação. Pacto semelhante havia sido firmado em Hong Kong, em 2005, para cumprimento até o fim deste ano. Mas, com a paralisação da rodada, em 2008, a promessa foi abandonada. Foi combinada em Bali, também, uma discussão de regras para a administração de cotas tarifárias - parcelas nem sempre preenchidas de importação com impostos reduzidos.
Mas a agenda total é muito mais ampla e os negociadores terão um ano para definir o roteiro. De toda forma, destravar a rodada foi uma realização importante. A OMC foi salva da irrelevância. Além do mais, a superação da crise internacional deverá criar um ambiente mais propício a compromissos globais.
Tecnicamente, está reaberto o caminho da modernização do comércio global. Só a facilitação de procedimentos poderá, segundo estimativa muito citada, abrir espaço para mais US$ 1 trilhão de negócios, graças à redução de custos e à simplificação de operações. Mas, para esse passo, foi preciso também vencer a resistência de Cuba, Venezuela, Nicarágua e Bolívia. Seus representantes cobraram o fim do bloqueio comercial dos Estados Unidos a Cuba, ameaçando vetar o acordo e levar a reunião ao fracasso. Acabaram recuando, mas deixaram clara, mais uma vez, a qualidade das alianças ideológicas do governo brasileiro.
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