O Estado de S.Paulo - 10/12
Plantas transgênicas vieram para ficar. E prevalecer. Suas variedades passaram a dominar a safra de grãos no Brasil. Na corrida tecnológica, ninguém segura a engenharia genética. A ciência vence o medo obscurantista.
Lavouras geneticamente modificadas de soja, milho e algodão, nessa ordem, lideram, com dois terços, a semeadura da área nacional. Produtividade, facilidade no trato, economia de defensivos: aqui as razões principais que explicam seu notável desempenho. Problemas agronômicos, como resistência de ervas invasoras a herbicidas ou ressurgência de pragas, existem, mas se assemelham aos das lavouras convencionais. Não se comprovou alguma tragédia ambiental, tampouco dano à saúde humana, decorrente do uso específico de transgênicos.
Há séculos o melhoramento genético tradicional tem modificado os organismos. As variedades atualmente plantadas ou criadas pouco se parecem com suas ancestrais: o frango deixou de ser caipira, o milho tornou-se ereto, as frutas perdem suas sementes. Nenhum alimento continua "natural". O patamar da evolução mudou, porém, quando os cientistas descobriram a possibilidade de modificar artificialmente o DNA das espécies. Sem cruzamento sexual.
Tudo começou em 1972. Pesquisadores perceberam que parasitas do gênero Agrobacterium transferiam partes de seu germoplasma para as plantas hospedeiras, estimulando nestas a produção de açúcar, do qual se alimentavam. Quer dizer, ocorria na natureza um mecanismo de transgenia. Dez anos depois, em Gent (Bélgica), cientistas conseguiram pioneiramente efetuar a transgênese em laboratório. Em seguida, certas bactérias foram geneticamente modificadas visando à produção de insulina humana. Os diabéticos comemoraram. A ciência havia dado um tremendo salto no conhecimento.
Desde então as equipes de ponta, em oficinas públicas e privadas, passaram a investir na engenharia genética, turbinando mundialmente a biotecnologia. Esta se destacou, inicialmente, na manipulação de microrganismos. Depois, em 1996, chegou ao campo, com o lançamento de uma variedade de soja resistente à aplicação de herbicida. Começou a grande polêmica. Ativistas ambientais denunciaram a "comida Frankenstein". Religiosos condenaram os cientistas por manipularem a vida. A opinião pública ficou confusa.
Tal temor, compreensível, resultou na proposta de uma "moratória" de cinco anos, precaução adotada pela União Europeia em 1999. Esse período se considerava suficiente para buscar o esclarecimento das dúvidas sobre a nova tecnologia. O tempo passou, a engenharia genética evoluiu, os preconceitos religiosos e ideológicos cederam lugar às evidências científicas. Novas transgenias surgiram, barreiras foram caindo. Hoje, na agricultura, as variedades modernas, geneticamente alteradas, se fazem presentes em 50 países, plantadas por 17,3 milhões de agricultores, ocupando 10% da terra arável do mundo. Não é mais uma experiência.
Novidades biotecnológicas continuam surgindo. Entre animais, desenvolvem-se cabras transgênicas que produzem em seu leite uma proteína típica da teia de aranha, capaz de gerar polímeros altamente resistentes. Nos vegetais, entusiasma a possibilidade da geração de plantas que suportam "stress hídrico". Na Embrapa, um gene de cafeeiros resistentes à seca foi introduzido em plantas de fumo, fazendo-as suportar a falta de água no solo. Em Israel, cientistas do Instituto de Tecnologia alteraram os genes de alface, impedindo que suas folhas murchem após a colheita. Sensacional.
Técnicas chamadas "DNA recombinante" invadem a medicina. Utilizando-as, o Instituto Butantã (São Paulo) desenvolveu recente vacina contra a hepatite B; também pela intervenção no genoma viral surgem vacinas contra influenza, dengue, coqueluche e tuberculose. Na Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto estuda-se uma vacina transgênica para combater câncer. Porcos geneticamente modificados em Munique (Alemanha) provocaram fraca reação do sistema imunológico humano, abrindo caminho para os xenotransplantes.
Bactérias, leveduras e fungos geneticamente modificados têm sido utilizados na fabricação de alimentos há tempos. Esses microrganismos atuam diretamente nos processos de fermentação, gerando queijos, massas, cerveja; ajudam até na definição do aroma em bebidas e comidas. Etanol celulósico, a partir do bagaço da cana ou de capim, virá de leveduras geneticamente modificadas. Na indústria, o sabão em pó contêm enzimas, oriundas de bactérias transgênicas, que facilitam a degradação de gordura nos tecidos.
Na fronteira da biotecnologia desenvolve-se aqui, na Embrapa, uma incrível técnica - dos promotores constitutivos - capaz de restringir a manifestação de certas proteínas transgênicas em folhas e frutos das plantas modificadas. Ou seja, a planta será transgênica, mas seus frutos, ou grãos, escapam do DNA alterado. O avanço da engenharia genética, base da biotecnologia, é extraordinário em todos os ramos, dando a impressão de que o melhor ainda está por vir.
Por que, então, diante de tanto sucesso ainda há restrições contra os transgênicos, taxando-os de produtos do mal? Boa pergunta. A resposta encontra-se no preconceito criado lá atrás. A rigor, hoje em dia os produtos transgênicos, submetidos a legislação super-rigorosa, são bastante seguros para o consumo. Já outros alimentos, embora "convencionais", mais parecem uma bomba química: salgadinhos, latarias, maioneses, doces insossos, essas gororobas, sim, impunemente destroem nossa saúde.
Conclusão: transgênico ou convencional, pouco importa. Vale o alimento ser saudável.
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