terça-feira, dezembro 10, 2013

‘Brasil com C’ - MARCUS FAUSTINI

O GLOBO - 10/12

Proponho aqui, um inventário de alguns ‘cês’ em disputa no país, que dispara novos campos complexos


Pensar o Brasil beira o fetiche, sabemos. Entretanto, quero propor aqui, sem nenhum rigor teórico, peço licença, pensadores, muito mais como um dispositivo estético — para catar pistas e não diagnosticar —, a ideia de “Brasil com C”. Não exatamente escrito com a letra c no lugar do S, mas o uso da expressão completa “Brasil com C” — tenho usado em viagens de trabalho, toda vez que me perguntam de onde eu sou. E explico na sequência: a entrada de novos elementos (os “cês”) que estavam invisíveis no imaginário cria uma nova equação, novas entradas e saídas abertas, produzindo outras recepções. Mas não pretendo síntese.

A tentativa de pensamento-síntese forjou um Brasil escrito com s, proposto como paraíso da diversidade cultural nata, de mistura pacífica de raças, numa visão ufanista de um país que caminha inexoravelmente para ser a nação modelo do planeta. Também, para “inglês ver”, a ideia de Brazil (com Z) revelou um país de maquiagem, onde tudo é permitido e embelezado para agradar a gringos. Ou mesmo a contundente e correta ideia de “dois Brasis", que nos mostrou como uma Belíndia (nível de vida da Bélgica para poucos e da Índia pobre para muitos). Proponho aqui, um inventário de alguns “cês” em disputa no país, que dispara novos campos complexos. Nosso “Brasil com C” não é apenas como uma ilustração de que vivemos num país daqueles que estão sendo chamados por alguns de classe c. Nem também como um paradigma definitivo. Muito mais uma catação estética para organizar uma sensibilidade. Um mapa mental e não um conceito, é essa a ideia de “Brasil com C”: ligações, interação com fenômenos simultâneos. Uma forma de voltar às mesmas questões, com um novo lugar de vista.

Feito DJ seletor em ação, largo o dedo:

Celular — A chegada em escala deste dispositivo criou um ambiente de produção de novas subjetividades, através de trocas de mensagens, redes sociais, sobretudo pelas classes populares, que são capturadas como dados pelas empresas com meios de controle de desejos para gerar novos produtos apenas. Sem dar expressão a isso, perdemos uma oportunidade estética histórica de acompanhar a chegada de novas sensibilidades e formas de vida.

Comunidade — A ideia de comunidades identitárias (quilombos, aldeias, tribos, de gênero) ganha força no campo de organização das lutas por direitos e também em trocas virtuais de processos menos políticos. Se antes cravava algo como ingênuo e puro, agora vem com força urbana que promete ser uma sociabilidade cada vez mais presente.

Circulação — Os trabalhadores populares circulam a cidade todos os dias para o mundo do trabalho, garantindo a vida econômica. Por outro lado, o direito à cidade não está garantido.

Coletivos — A juventude volta a ter um modo conjunto estético e político. Os coletivos se apresentam como bondes, bandas, rodas, saraus etc. Como essa geração é mais fluída, o poder público não consegue entender, dialogar e potencializar.

Cotistas — Cotas, bolsas, Pro-Uni e toda disputa pela mobilidade social e pelo acesso à educação revelam uma reação que demonstra ranço escravocrata que não deseja uma classe média formadora de opinião mais numerosa.

Centro — Com a chegada da periferia como movimento cultural e de pensamento, o centro está em toda parte.

Crédito — Maneira de controlar um novo conjunto de sujeitos apenas no consumo.

CLT — A disputa por direitos no mundo do trabalho, a reinvenção das formas de cooperativismo etc. ainda são uma das maiores pelejas de nossa estrutura social.

Corrupção na política — O lugar permanente da fábula da moralidade, sem criar os procedimentos necessários para as mudanças, pois afetaria o modo de fazer política que mantém as coisas como estão.

Corpo — Um corpo espetacularizado pelo mundo das mercadorias que prometem juventude eterna é também uma expressão de liberdade, como bem reparou o parceiro Francisco Bosco sobre os uso de formas femininas dos meninos do passinho do menor. Minha imagem preferida para os oito anos de governo Lula é um adolescente popular com aparelhos nos dentes. Isso é corpo!

Commodity — Se antes éramos apenas commodity para matérias primas, nosso território vira uma commodity internacional e nossa cultura também.

Casa, cultura digital, comida, cinema etc. Continue esse mapa, caro leitor.

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Sei que existem outras colunas no jornal que elegem suas musas. Entretanto, esta coluna afirma que a musa carioca de 2013 é Yasmin Thayná. Garota sagaz da perifa, artista visual e escritora, formada em eletrotécnica na adolescência, se expressa como ninguém nas redes sociais e circula entre os coletivos culturais apaixonando meninos e meninas. Uma belezura aqueles olhos de jabuticaba!

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Na próxima terça teremos por aqui nossa “literatura de celular 2”.

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