O GLOBO - 01/12
Francisco, em seu manifesto, deixa claro que o reconhecimento de uma identidade religiosa se faz pela conversação, pelo diálogo entre os diferentes
Alegria significa prontidão, disposição para mudar, elasticidade, docilidade, entusiasmo a serviço da vida. A genuína alegria de viver pressupõe uma ilimitada abertura do coração e da mente que, além de ser capaz de acolher tudo o que sucede, provoca um dinamismo interior que arreda toda rigidez institucional, toda a indolência e toda a demora do querer e do agir. Segundo o pensamento cristão, a alegria é mais que uma virtude, é condição de todas as virtudes.
No seu primeiro documento doutrinário, “A alegria do Evangelho”, o Papa Francisco trata corajosamente de temas até então considerados polêmicos no círculo fechado de cardeais e bispos: a descentralização da Igreja, os divorciados, a ordenação de mulheres, a desigualdade e o capitalismo, a justiça social, o aborto, a eucaristia não como prêmio para os perfeitos, mas um generoso alimento para os fracos.
Francisco, em seu manifesto, deixa claro que o reconhecimento de uma identidade religiosa se faz pela conversação, pelo diálogo entre os diferentes, no exercício que alterna dúvida e convicção, crítica e confiança. Quando a Igreja age apenas com sua verdade, imanente, contida apenas em sua convicção, rompe a possibilidade de entendimento, respeito, de comunhão. Numa autocrítica eclesial o Papa questiona os sistemas políticos e econômicos que malversam o poder e a riqueza, utilizam em seu benefício os recursos naturais e consolidam a pobreza e a marginalização. Chama a atenção para sermos testemunhas da santidade e dignidade de toda a vida e do respeito que devemos a todos os homens, independentemente de sua cor, sexo e estado civil. Confirma que a Igreja Católica tem fracassado por ter reconhecido, durante séculos, a Europa como centro do mundo, considerando aquele continente superior aos outros. Abre um caminho que supere os papéis e estereótipos fixados ideologicamente para o homem e a mulher, principalmente nos processos eclesiais de decisão.
O Papa Francisco dá início a uma mudança radical na Igreja, uma transformação de concepção, de atitude psíquica, de mentalidade, de pensamento. Com uma humildade desconcertante, vê a Igreja como um hospital de campanha: quer curar as feridas de quem precisa com um projeto de salvação baseado na liberdade humana. Por isso mesmo, tem uma proposta de Evangelho que deve ser simples, profunda, irradiante. É um chefe religioso sem tabus. Não é moralizador, mas é desafiador.
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