O Estado de S.Paulo - 01/12
Se presidir um país latino-americano é tarefa espinhosa mesmo nos melhores tempos, o que dizer de Honduras? A pequena nação centro-americana é a segunda mais miserável do continente, logo acima do Haiti. Dois terços da população de 8,5 milhões vivem na linha da pobreza ou abaixo. A taxa de desigualdade é pior hoje do que há duas décadas.
Com instituições fracas, política internacional e ética pública porosas, Honduras é o ecossistema perfeito para o crime transnacional. De cada 100 mil hondurenhos, 80 morrem assassinatos por ano, um recorde mundial. E 70 mil cidadãos vão embora do país anualmente.
No entanto, oito candidatos disputaram a corrida presidencial e quem levou as chaves do Palácio José Cecilio del Valle saiu da peleja de sorriso franco e desafiante. "Não negocio a vitória com ninguém", bradou Juan Orlando Hernandéz, militar reformado, de 45 anos, que presidiu o Congresso. Esqueça o fato de que Hernandéz ganhou apenas 34% dos votos e seu rival mais próximo, a socialista Xiomara Castro, ainda não reconheceu sua vitória.
Chama a atenção, no entanto, o fracasso de outro pretendente na disputa. Nos últimos quatro anos, um fantasma rondava o pequenino país centro-americano e, por tabela, toda a região. Hugo Chávez, o falecido líder venezuelano, trabalhara duro para evangelizar seu o socialismo do século 21 pelas Américas. Em 2009, teve a chance de espetar mais um alfinete no seu mapa-múndi revolucionário. Justamente em Tegucigalpa, onde o presidente Manuel Zelaya ensaiava passos bolivarianos.
Naquele ano, Zelaya chegava ao fim de seu governo, refugou e provocou uma cisma continental. Reza o Artigo 239 da Constituição de Honduras que o mandato presidencial é único, de quatro anos, sem direito a reeleição. Zelaya quis mais e convocou um plebiscito nacional sobre o tema, também vetado pela lei.
Acabou deposto e expulso do país sob mira de fuzil. Voltou na surdina, ao lado de Nicolás Maduro, o então chanceler de Chávez, mas não conseguiu retornar ao palácio. Resolveu lançar sua esposa, Xiomara Castro, sob legenda nova, o Partido Libre, e acessórios velhos, do patenteado chapéu de cowboy ao roteiro chavista.
Assim, ficou demarcada a campanha hondurenha, uma batalha por procuração. Os conservadores e caciques do Partido Nacional enxergaram na candidatura de Xiomara a senha para o retorno de Zelaya pela porto dos fundos. E os zelaystas viram o dedo de Washington na campanha de Hernández, um advogado formado na Universidade de Nova York que quer soldados na rua contra o crime.
Nem uma coisa, nem outra. Primeiro, o chavismo ficou longe do páreo. Talvez pela crise na Venezuela, onde o presidente Maduro luta para salvar seu acidentado governo da pane econômica e de sua popularidade em declive. Outro companheiro, o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, mais oportunista que chavista, surpreendeu a todos ao ser um dos primeiros a congratular Hernández.
Deixaram isolado o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, chefe de torcida internacional, que endossou Xiomara na reta final, na contramão das pesquisas. Já Washington decepcionou no papel de imperialista. Após condenar o golpe de 2009, o governo americano se calou na campanha eleitoral e, até sexta-feira, ainda não tinha parabenizado o presidente eleito.
Novidade. O restante ficou a cargo dos hondurenhos, mais sensatos, que dividiram seus votos de forma equilibrada entre quatro candidatos. É uma boa-nova para o país atolado há quase um século entre dois partidos escleróticos: o Liberal e o Nacional.
No Congresso, nenhuma legenda terá maioria absoluta, muito menos rolo compressor. Para estancar o crime, conduzir o país e introduzir as reformas que Honduras tanto carece, Hernández, queira ou não, terá de negociar. E o zelaysmo, participar. Se isso significa renovação ou paralisia, não se sabe.
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