A indústria, no ano que se encerra mostrou, mais uma vez, um desempenho fraco. A indústria extrativa e a de energia elétrica também tiveram um ano difícil. Pode-se discutir muito se existe ou não um processo de desindustrialização. Entretanto, é certo que:
- Temos baixa competitividade, e hoje está claro que isso não depende só do câmbio. Mais ainda, o real já desvalorizou 14% até meados deste mês e é absolutamente seguro que vai se desvalorizar mais no ano que vem, pelo menos para R$ 2,50 por dólar. O câmbio pesará cada vez menos na falta de competitividade industrial e esta é uma mudança relevante para o setor.
- Estamos bastante fora das cadeias internacionais de produção. Estas têm um caráter regional: Alemanha/Europa, EUA/América do Norte, China e Japão/Ásia. A partir dessas bases, os países líderes exportam para o mundo todo. Olhado desta forma, a crítica que fazemos ao Mercosul fica muito mais clara: como nunca houve qualquer ensaio de integração industrial, a região se manteve fechada, fragmentada e ineficiente em relação ao resto do mundo. O preço desse atraso é cada vez mais claro na explicação da crise de nossa indústria, pois sequer conseguimos embarcar calçados livremente para a Argentina ou mesmo formular uma proposta decente para um acordo com a União Européia!
- Estamos algo distante da revolução tecnológica que existe no mundo. Embora já tenha escrito mais de uma vez sobre isso, vale lembrar que essas mudanças, entre outras coisas, implicam em uma demanda cada vez maior por mão de obra treinada e qualificada. A pobreza de nosso sistema educacional é de fato uma limitação para o crescimento da produtividade. Em geral, um trabalhador menos qualificado não consegue utilizar o potencial de uma nova máquina ou sistema.
- Estamos também relativamente distantes das novas formas de organização da produção de manufaturas. Falo aqui de pelo menos quatro , coisas: da integração indústria/serviços, da utilização de grandes massas de informação ("big data", "data mining") para melhor entendimento dos mercados e do funcionamento das cadeias de produção, da adaptação a uma demanda cada vez mais fragmentada e de estratégias cada vez mais regionalizadas.
Neste governo, a política industrial foi a mais ousada desde o governo Geisel. O estímulo à inovação foi bastante intenso, através de inúmeros programas e da elevação dos recursos financeiros colocados à disposição das empresas. Isto é muito positivo. A discussão fica mais centrada na elevação da proteção aduaneira e de tributos à produção local e nas exigências da utilização de conteúdo nacional na produção.
A meu juízo, o teste dessa política será feito nos dois grandes setores recipientes dos estímulos: petrolífero e automotivo. Em ambos os casos, o custo da ambição será elevado.
A crise atualmente vivida pela Petrobras ilustra bem as dificuldades de fazer uma mistura de políticas de produção, de contenção da inflação e da utilização das exigências de conteúdo nacional
O resultado está à vista de todos: ao lado do avanço inequívoco no conhecimento da exploração de petróleo em águas profundas e do renascimento da ; indústria naval, há uma redução da produção de óleo por dois anos, atrasos de projetos, problemas com e para fornecedores (onde o caso da Lupatech é emblemático), explosão de custos e destruição, sem precedentes, de valor na Petrobrás.
Além disso, os altos preços do gás natural travaram a petroquímica e a cadeia de plásticos e tiraram qualquer economicidade na produção de fertilizantes nitrogenados, bem como, o lento estrangulamento da produção de etanol, tão conhecido. Esses custos indiretos não são pequenos, pois estão a prejudicar parte importante de nosso parque fabril.
Com o magro reajuste de preços de gasolina e diesel aparece um grande dilema para o ano que vem. Ou o volume de investimentos (com ou sem alteração no conteúdo nacional) se reduz, para se ajustar ao fluxo de caixa da companhia, ou o endividamento se eleva, podendo gerar uma redução na nota de crédito da empresa, ou o Tesouro vai ter de capitalizar a Petro, diluindo ainda mais os minoritários. Todas são escolhas muito pouco confortáveis.
O setor automotivo é outro, onde a política industrial será testada. Já, hoje, a demanda corrente não está conseguindo absorver a capacidade de produção atual, resultando um forte acúmulo de estoques, gerando pressão nas empresas, seus fornecedores e distribuidores. Entretanto, o desajuste oferta e demanda tende a ficar pior, pois se estima que quando as novas fábricas começarem a produzir, haverá um excesso de capacidade da ordem de 1,5 milhão de veículos. É desnecessário dizer que os novos carros, mais modernos e ao gosto do consumidor, exercerão forte pressão sobre os tradicionais grandes fabricantes. Estes produzem grandes volumes de carros de gerações mais antigas, que não têm condições de serem exportados, exceto para a Argentina. Para piorar as coisas, foi recentemente anunciado que o governo daquele país vai impor forte restrição para a compra de veículos brasileiros.
A política automotiva resultará num duplo custo: do lado do consumidor, o custo dos veículos refletirá a elevada dose de proteção aduaneira e tributária. Este feto, mais as crescentes dificuldades na mobilidade urbana, estão afetando a demanda, e isso não é conjuntural. Do lado da produção já está dado que teremos uma crise de superprodução.
O teste da política industrial será mais relevante porque entramos em 2014 com claros sinais de um racha na indústria. Certos segmentos passaram a crer que precisamos de mais abertura e integração ao mundo para competir. São exemplos disso as manifestações da CNI, pedindo mais acordo e comércio com os EUA, do IEDI, afirmando que para competir a manufatura brasileira precisa ter acesso a matérias-primas metálicas e químicas a preços internacionais e, de forma talvez surpreendente, da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, dizendo que avançar na competitividade, deixar commodities e produzir valor agregado e partir para o ataque, elevando as exportações, é o que tem de ser feito.
Espero sinceramente, pelo bem da indústria, que essas visões ganhem daquelas que vivem a pedir mais protecionismo.
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