O GLOBO - 03/11
Exemplo lapidar de como a sociedade avança à frente dos arcabouços jurídicos — os quais, de tempos em tempos, precisam ser atualizados — é a internet. E neste momento, no estabelecimento de normas sobre a nova atividade, há o risco de se incorrer em erros capazes de prejudicar o melhor uso possível do que se quer regular. Enquadra-se neste caso o Marco Civil da Internet, projeto encaminhado pelo governo ao Congresso, discutido ao extremo na Câmara dos Deputados, antes de ir ao Senado, e no centro de acesas divergências.
Mas, em setembro, depois da denúncia de que os espiões eletrônicos da Agência Nacional de Segurança americana bisbilhotavam a presidente Dilma Rousseff, interlocutores e até a Petrobras, o governo viu no projeto a possibilidade de erguer barreiras legais contra este tipo de invasão de privacidade. Foi, então, pedido ao relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que incluísse no texto a determinação de que os grandes provedores mundiais de internet mantenham centros de dados no Brasil, para facilitar a execução de determinações judiciais sobre qualquer conteúdo que trafegue pela rede no Brasil.
E para apressar a tramitação na Câmara, o projeto entrou em regime de urgência, para ser aprovado em 45 dias no máximo. O prazo venceu na semana passada, e o Marco Civil passou a trancar a pauta da Casa. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), conclamou as partes em conflito a buscar um acordo antes que o projeto seja colocado em votação, esta semana.
Há duas grandes divergências. Uma sobre o conceito de “neutralidade de rede”, incluído no projeto com apoio do governo e suprapartidário. E a outra, em torno da defesa do direito autoral. Nesta questão, o projeto acolhe a prática usual de que quem se sentir atingido pelo uso indevido de sua obra possa notificar o suposto infrator, fora das vias judiciais. A partir daí, o notificado passa a ser juridicamente responsável pelo desrespeito ao direito autoral. Mas há quem queira que a comunicação seja feita por tribunais. Na prática, um obstáculo, às vezes intransponível, para artistas, autores, donos de obras, sem dinheiro e estrutura para acionar a Justiça.
No caso da “neutralidade de rede”, há bolsões atuantes na Casa que discordam do princípio, e neles está o deputado Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro, líder da bancada do PMDB. A “neutralidade” enfrenta cerrada oposição das empresas de telecomunicações, em todo o mundo. Pois veem nela um obstáculo ao aumento de receita. Afinal, o princípio garante a qualquer usuário da rede as mesmas condições de tráfego (velocidade, tamanho de arquivo, etc).
Não é uma questão banal, pois agride a ideia central da internet livre, aberta a todos. Permitir cobrança diferenciada pelos provedores é dar espaço, por exemplo, para a criação de barreira à entrada de novos concorrentes no mundo digital.
Como tudo já foi debatido ao extremo, é hora de a Câmara votar o projeto.
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