O Estado de S.Paulo - 03/11
O que mais chama a atenção no debate econômico é o medo da inflação. Todos os governos subordinam sua política econômica à política monetária tradicional de elencar a Selic como a variável chave na economia.
O governo vive cercado de ameaças de que a inflação vai crescer e para dar resposta ao chamado mercado, que é na realidade o mercado financeiro, trata logo de elevar a Selic. Segundo algumas análises, a elevação dos juros desestimula o consumo e, com isso, ficam contidos os preços.
Mas não é bem assim. Em primeiro lugar, há que ver o que ocorre com a taxa de juros na ponta do tomador do empréstimo. Será que a Selic alterando um ou dois pontos porcentuais altera de forma sensível a taxa ao tomador? Em países onde o spread bancário (diferença entre a taxa de juros dos empréstimos e a taxa de juros de captação dos bancos) é de 3 a 5 pontos, uma mudança na taxa básica de juros influi decisivamente na taxa de juros do tomador. No País, no entanto, o spread é dos mais elevados do mundo. Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) a taxa de juros à pessoa física desde outubro do ano passado até agora girou no entorno de 90% e assim, o spread do sistema financeiro alcança 80,5 pontos, considerando o custo de captação de 9,5%, base na Selic.
Aonde a Selic exerce alguma influência sobre os preços é nos chamados bens comercializáveis, que são os sujeitos à concorrência externa. Ao manter a Selic em nível acima da média internacional, o Banco Central atrai o capital especulativo internacional inundando o País de dólares, barateando o produto importado.
Há uma montanha de dólares especulativos aplicados em títulos federais que supera US$ 220 bilhões (!). Esses capitais especulativos lucraram, em média nos últimos seis anos, US$ 10 bilhões por ano. Esse ganho de estrangeiros se faz em cima de todos nós através dos tributos que pagamos ao governo federal. Mas outros danos piores ocorrem devido à Selic acima do nível internacional: a) rombo nas contas externas, que deve superar US$ 80 bilhões neste ano devido ao real supervalorizado perante o dólar; b) elevação dos custos de carregamento dos US$ 387 bilhões das reservas internacionais, que foram constituídas fundamentalmente com compras de dólares mediante emissão de títulos federais e c) ao tornar artificialmente barato o produto estrangeiro reduz-se mais ainda a competitividade do produtor local, que já tem contra si alta carga tributária e de juros, além de precária infraestrutura e burocracia infernal. É o que explica que o aumento do consumo das famílias cada vez mais é atendido pelo produto importado.
Será que compensa usar essa política de manter a Selic elevada para conter a inflação? Não creio. Mas o que pouco aparece nas análises é a outra política usada pelo governo federal de controle inflacionário, que é manter pesado controle sobre os preços administrados, também denominados de preços monitorados.
Na composição do IPCA os preços monitorados pesam 25% e os preços livres 75%. Nos últimos 12 meses encerrados em setembro a inflação foi de 5,86%, sendo de 7,37% nos preços livres e 1,12% nos preços monitorados. Vale observar que, desde o primeiro mandato de FHC até o início do segundo mandato de Lula, os preços monitorados foram corrigidos acima da inflação. A partir do segundo mandato de Lula passaram a ser corrigidos abaixo da inflação constituindo poderoso freio à inflação. O interessante é que pouca atenção tem sido dada a essa questão. Resumindo: o controle de preços se faz: a) pela Selic elevada e; b) pelos preços monitorados.
O principal responsável por essa contenção nos preços monitorados são os combustíveis e o instrumento usado para isso é a Petrobrás, que é obrigada pelo governo federal, seu controlador, a subsidiar a gasolina e o diesel, importando o que excede a produção interna desses derivados do petróleo. As quantidades importadas foram crescendo substancialmente com a política de incentivo à compra do automóvel reduzindo o IPI e levando a zero a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da gasolina. Tudo isso embalado pelo forte crescimento da classe média que passou a comprar carro financiado em até seis anos pelas financeiras das próprias montadoras.
Consequência dessa política: a) o agravamento da mobilidade urbana nas maiores cidades; b) a piora no meio ambiente pelo uso mais intenso do automóvel; c) rombo crescente nas contas externas de combustíveis e; d) dano operacional, econômico e financeiro à Petrobrás.
A perda patrimonial da empresa e da União supera a centena de bilhões de reais. Sufocada financeiramente e, tendo que cumprir pesados investimentos no pré-sal e na ampliação da capacidade de refino, a Petrobrás foi obrigada a se endividar em excesso elevando sobremaneira suas despesas financeiras e, com isso, elevou substancialmente a necessidade original de recursos do plano de negócios.
Cobrado insistentemente pela Petrobrás para ajustar os preços da gasolina e diesel, para acabar com a perda estimada de R$ 1 bilhão por mês o governo se fez de morto durante mais de dez anos.
A situação foi se agravando a ponto tal que a agência de risco Moody's rebaixou a nota da Petrobrás de "A3" para "Baa1". Essa redução, segundo a Moody's, reflete a alta alavancagem e a expectativa de que a empresa continue com fluxo de caixa negativo nos próximos anos, à medida que conduz seu programa de investimentos.
Tentando responder a essa situação e à queda de 39% no lucro do 3º trimestre, o governo anunciou que vai dar transparência à formação dos preços dos derivados de petróleo estabelecendo sistema periódico de reajustes, possivelmente ligado ao preço internacional desses derivados e ao câmbio. Ao que tudo indica isso ocorrerá na reunião do conselho de administração da estatal no dia 22 de novembro segundo o diretor financeiro, Almir Barbassa.
As manifestações de junho acenderam a luz vermelha para a política suicida de entupir as cidades de automóveis via continuação de estímulos à indústria automobilística e subsídio à gasolina.
Tenho defendido a priorização das vias ao transporte coletivo e isso caminha pari passu com a elevação do preço da gasolina. A maior velocidade do transporte coletivo aliada ao replanejamento de linhas e horários de circulação dos ônibus pode constituir benefício a todos tanto no uso do transporte individual como coletivo, inclusive com redução da tarifa pela melhor utilização dos ônibus que passam a transportar mais passageiros.
Finalmente é risível argumentar, como faz a presidente, que é prioridade a mobilidade urbana anunciando a verba de R$ 50 bilhões para investimentos nessa área, e continue a artificializar o preço da gasolina em estímulo ao uso crescente do automóvel. Decida-se presidente!
Nenhum comentário:
Postar um comentário