FOLHA DE SP - 12/10
A atual ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo (USP), por parte de alguns alunos e funcionários, além de arranhar sua natureza pública, levanta algumas questões sobre a improcedência da reivindicação dos invasores: eleição direta para reitor e questionamento da escolha do mesmo pela lista tríplice, por parte do governador.
O sindicato dos trabalhadores da USP apoiou a ocupação da reitoria. Em texto, afirmou que considerava "total desrespeito a decisão do Conselho Universitário aos anseios e à luta dos estudantes, funcionários e professores por democratização na Universidade de São Paulo ".
A universidade não é nem deve ser democrática no que tange sua administração financeira e de recursos humanos e na gestão acadêmica. A democracia deve existir na garantia da liberdade intelectual e no debate científico, mas, neste caso, a palavra --que se refere a um tipo de regime político-- deve ser substituída por "crítica intersubjetiva", conceito que Karl Popper criou para explicar a natureza provisória do conhecimento científico, que somente progride com liberdade e discussão.
Mas a eleição direta para reitor é refutável por razões bem mais simples. Em primeiro lugar --e chega a ser acintoso o tom da nota do sindicato--, a USP é como uma empresa e funcionário trabalha para os alunos e professores produzirem conhecimento e ensino.
Em segundo lugar, aluno não vota, mas estuda e pesquisa. Ainda mais numa universidade pública, cuja gratuidade tem características regressivas e de injustiça social.
Do ponto de vista da administração, a universidade é uma empresa, portanto, não há democracia. Da mesma forma, a gestão acadêmica não é democrática, mas meritocrática. A meritocracia é um sistema administrativo em que o mérito conduz ao topo: os mais educados, a elite, governa.
Quem sabe ensinar e pesquisar, que ao fim e ao cabo fica e faz sua carreira na universidade, é o professor. Funcionários podem até fazer a carreira nela, mas os alunos chegam, se formam e vão embora. Deveriam sim voltar e ajudar a universidade, fazendo doações, participando de conselhos de administração, algo tão raro Brasil.
Por outro lado, vamos aos fatos: entre as 30 melhores universidades do mundo, por qualquer ranking respeitável, nenhuma tem eleição direta para reitores. Para citar algumas, Oxford, Cambridge, Amsterdã, Harvard, Stanford, Autônoma de Barcelona e o mexicano Instituto Técnico de Monterrrey.
A universidade brasileira está em crise, fora alguns poucos centros de excelência em exatas, biológicas, matemática, engenharias e ciências sociais aplicadas (levadas a sério, como ciência dura, "hard science").
Por que, então, essa discussão tresloucada? Por que não protestar, chamando a imprensa, por exemplo, e exigir que se cumpram metas de colocar a universidade brasileira no topo das avaliações globais?
Por outro lado, quem tem mandato para escolher o reitor, em última instância, é o governador. Aí sim a democracia tem que existir e ser respeitada, pois tal ato é intrinsecamente legítimo.
A USP é um patrimônio paulista, financiada regressivamente, com recursos arrecadados dos cidadãos de São Paulo. Não bastasse tal fato, o seu gasto em educação também é regressivo. Mas é nossa única universidade bem posicionada nas avaliações internacionais e merece reformas, mas não essas propostas.
Que tal debater o fim da gratuidade, socialmente injusta?
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