O Estado de S.Paulo - 12/10
Um bom foco para avaliar como andam as relações entre Estado, mercado e sociedade são as concessões de bens e serviços públicos. De forma simplificada, a sociedade paga tributos ao Estado, para dele receber, em contrapartida, serviços públicos essenciais, de forma abrangente, com qualidade e modicidade de tarifas. Já o mercado paga tributos para receber do Estado segurança jurídica e respeito à propriedade. Embora o Estado seja, em última análise, responsável pelos serviços públicos, ele não precisa necessariamente provê-los de forma direta. A exacerbação do seu poder, porém, o torna fornecedor predominante desses serviços e responsável pelos investimentos nas infraestruturas. No entanto, se o que é arrecadado da sociedade acaba se destinando basicamente ao pagamento de pessoal e despesas correntes, mínguam os recursos para investir e os serviços se deterioram.
Por outro lado, se predominam estritamente as condições de mercado - diante de um Estado sem capacidade de regulação -, as chamadas "imperfeições" (como, por exemplo, monopólios naturais, competição predatória e assimetria de informações) prejudicam a sociedade. Os consumidores dos serviços ficam desprotegidos, por omissão do Estado, dos abusos inerentes às imperfeições. A prestação de serviços públicos essenciais apresenta, assim, particularidades distintas das relações em que os bens e serviços que a sociedade consome são produzidos e distribuídos pelo mercado. Neste, prevalece em geral a concorrência e os eventuais abusos e obstruções são objeto de regulação estatal. Mas, para os serviços públicos, a ação reguladora é fator permanente e essencial.
A dificuldade no relacionamento entre os três agentes está na busca de pontos de equilíbrio. Sociedades modernas garantem condições de segurança para o mercado e moderam a voracidade do Estado em extorquir a sociedade. Nesse sentido, estimular as concessões para a exploração de serviços públicos passa a ser um importante fator de equilíbrio, na medida em que libera o Estado para investir em segmentos mais necessitados de recursos (educação, saúde e segurança) e propicia a ampliação e modernização de infraestruturas complexas pela iniciativa privada. Simples assim. Mas não em países com forte tradição autoritária, burocrática e patrimonialista.
Woody Allen já dizia que a burocracia é necessária para criar um problema onde existe uma solução. É exatamente isso o que vem ocorrendo no Brasil com as recentes concessões de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, petróleo e energia. Têm sido criados muitos problemas e incertezas para as concessões, pois não há convicção quanto à necessidade de atrair o capital privado para segmentos em que o Estado se tem mostrado absolutamente incapaz de gerir e investir.
Uma conjugação perversa de fatores tem desestimulado os investidores: insegurança jurídica; incertezas sobre a inflação; mudanças bruscas nas regras; instabilidade na ação reguladora; e regras fluidas de pré-qualificação. Não menos importante têm sido as alterações nos critérios de retorno dos investimentos, por negligenciar sua rentabilidade intrínseca; desconfiar da "ganância" das empresas interessadas; e abandonar parâmetros consensuais. Cabe lembrar que conceder 2/3 do financiamento dos investimentos exigidos com aumento da dívida pública - transferida para bancos oficiais - acaba, ao fim e ao cabo, onerando a sociedade. Ágios elevados e tarifas baixas soam como música para o governo, mas trazem riscos de grupos aventureiros e aporte de subsídios, pelo não cumprimento das metas de investimento.
Não é surpresa, pois, que neste momento de tantas incertezas - e o governo insistindo em ser "sócio", formular regras inconsistentes e politizar as agências reguladoras - os investidores mais experimentados se acautelem diante de uma enxurrada de concessões. Afinal, para essas questões relacionadas com as relações entre Estado, mercado e sociedade, não adianta chamar economistas cubanos para nos socorrer...
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