FOLHA DE SP - 12/10
SÃO PAULO - Um dos passatempos favoritos de estudiosos da teoria da decisão é testar médicos em questões que envolvem estatísticas --e os resultados são assustadores.
Num trabalho de 1982, David Eddy pediu a profissionais de saúde que estimassem a chance de uma paciente que apresentou mamografia positiva para neoplasia de fato ter a doença, considerando que a probabilidade de uma mulher ter câncer é de 1%, a sensibilidade do exame, de 80%, e a taxa de falsos positivos, de 9,6%.
Cerca de 95% dos médicos cravaram que o risco era de 75%, quando a resposta certa é 7,7%. Se você fizer a conta, verá que de cem mulheres testadas, quase dez (9,6%) apresentarão falso positivo e menos de uma (80% de 1%) será um positivo real. Não vou explicar aqui os vieses cognitivos que fazem os médicos e as pessoas em geral interpretarem números tão mal, mas, decididamente, é algo com que devemos nos preocupar.
Faço essas observações devido às críticas que recebi por ter defendido que optometristas possam prescrever óculos. Receio que também aqui nossos valorosos doutores sejam vítimas de uma cegueira estatística.
Segundo o estudo Demografia Médica, atuam no país 9.962 oftalmologistas, o que dá quase um profissional para cada 20 mil habitantes. Se o oftalmologista dedicasse 15 minutos a cada um trabalhando oito horas por dia, levaria dois anos e meio para ver todos. Como parcela considerável da população precisa de atendimento pelo menos anual --sem mencionar cirurgias--, a conta não fecha.
O déficit de oftalmologistas não é exclusivo do Brasil. O mundo todo discute o que fazer para atender à demanda, que cresce com o envelhecimento populacional. Experts como Serge Resnikoff defendem treinar equipes multidisciplinares formadas por oftalmologistas, médicos de outras especialidades, optometristas e ortoptistas. Só o que não faz sentido é deixar pessoas sem enxergar direito por disputas de mercado.
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