O GLOBO - 12/10
O debate sobre a proibição de biografias que não tenham sido autorizadas expressamente pelo biografado ou por sua família tem tudo a ver com o momento político que vivemos, em que se perdeu a noção dos limites dos direitos e deveres da cidadania, onde se discute a morosidade da Justiça como sintoma de atraso cultural de um país em que leis são feitas para favorecer os poderosos, e tentativas de controle da liberdade de expressão estão sempre presentes.
Como o artigo 20 do Código Civil, que, a pretexto de proteger a imagem, cerceia a liberdade de informação. Paradoxalmente, a ação do herdeiro do músico Renato Russo contra uma paródia da canção "Eduardo e Mônica" publicada no blog do PPS para criticar a união de Eduardo (Campos) e Marina (Silva) mostrou como a ação judicial pode ter efeito imediato, pois o PPS teve que tirar a paródia do ar mesmo sob protestos do presidente do partido, deputado Roberto Freire, que muito acertadamente afirmou que paródias não são crimes. Nesse caso específico, porém, ainda é aceitável a ação do herdeiro de Russo, já que a música foi usada com fins políticos, e ele diz na ação que não deseja "qualquer associação indevida com partidos políticos".
A questão da Justiça entrou na discussão porque um dos argumentos dos que defendem a censura prévia às biografias é que, no Brasil, os processos levam tempo demasiado tramitando na Justiça e, como disse Djavan, "nos países desenvolvidos, você pode abrir um processo. No Brasil também, com uma enorme diferença: nós não somos um país desenvolvido".
Durante o período de litígio na Justiça, enquanto os biógrafos ganhariam "rios de dinheiro" (o que não acontece) às custas do "sofrimento" do biografado, as infâmias e as calúnias continuariam circulando em forma de livro. Mesmo que verdadeiro na maioria dos casos, o argumento parece não servir para as ações contra biografias de famosos, pois Roberto Carlos conseguiu tirar de circulação o livro de Paulo Cesar de Araújo, uma excelente biografia, e as herdeiras de Garrincha impediram que sua história, contada com mães tria por Ruy Castro, chegasse aos leitores.
O argumento de que não somos um país desenvolvido e, portanto, temos que nos contentar com as informações controladas pelas celebridades e seus herdeiros é equivocado, pois nunca seremos desenvolvidos se nossas elites usarem a Justiça para se proteger em antecipadamente de eventuais desvios de conduta de jornalistas e escritores, assim como usam as brechas da lei e os recursos intermináveis para não serem condenadas.
Por esse raciocínio, a censura prévia do noticiário é bastante aceitável, e, sempre que governos autoritários ou ditatoriais exercem seu poder de força para impedir a circulação de informações que não lhes agradam, alegam que o fazem para proteger a segurança nacional, ou os bons costumes.
Quando uma música de Caetano ou Chico Buarque era censurada durante a ditadura, o objetivo era justamente proteger a sociedade de suas mensagens "subversivas" e de suas "mentiras" sobre o país.
O mais espantoso, porém, é a tentativa de acordo proposta por alguns dos membros do grupo que defende a censura prévia: que o biografado receba uma parte dos direitos autorais da obra. Como disse Alceu Valença, "definitivamente, a questão não é financeira. A ideia de royalties para os biografados ou herdeiros me parece imoral. 'Falem mal, mas me paguem'? É essa a premissa??? Nem tudo pode se resumir ao vil metal".
Ouso de ações na Justiça para proteger a "imagem" chega a abusos como o de Roberto Carlos proibir uma publicação sobre a moda da Jovem Guarda. Ou como ocaso que me foi contado pelo poeta Ledo Ivo, que não podia nem mesmo usar em livros fotos em que aparecia com seu amigo Manuel Bandeira porque os herdeiros deste queriam cobrar "direito de imagem".
Assinei recentemente um manifesto a favor do fim da proibição das biografias sem autorização, e um dos trechos acho que resume bem a questão: "A dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito, uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade".
É assim que se age nas democracias, e buscar justificativas para cercear a liberdade de informação é dar munição para quem não convive bem com ela.
Como o artigo 20 do Código Civil, que, a pretexto de proteger a imagem, cerceia a liberdade de informação. Paradoxalmente, a ação do herdeiro do músico Renato Russo contra uma paródia da canção "Eduardo e Mônica" publicada no blog do PPS para criticar a união de Eduardo (Campos) e Marina (Silva) mostrou como a ação judicial pode ter efeito imediato, pois o PPS teve que tirar a paródia do ar mesmo sob protestos do presidente do partido, deputado Roberto Freire, que muito acertadamente afirmou que paródias não são crimes. Nesse caso específico, porém, ainda é aceitável a ação do herdeiro de Russo, já que a música foi usada com fins políticos, e ele diz na ação que não deseja "qualquer associação indevida com partidos políticos".
A questão da Justiça entrou na discussão porque um dos argumentos dos que defendem a censura prévia às biografias é que, no Brasil, os processos levam tempo demasiado tramitando na Justiça e, como disse Djavan, "nos países desenvolvidos, você pode abrir um processo. No Brasil também, com uma enorme diferença: nós não somos um país desenvolvido".
Durante o período de litígio na Justiça, enquanto os biógrafos ganhariam "rios de dinheiro" (o que não acontece) às custas do "sofrimento" do biografado, as infâmias e as calúnias continuariam circulando em forma de livro. Mesmo que verdadeiro na maioria dos casos, o argumento parece não servir para as ações contra biografias de famosos, pois Roberto Carlos conseguiu tirar de circulação o livro de Paulo Cesar de Araújo, uma excelente biografia, e as herdeiras de Garrincha impediram que sua história, contada com mães tria por Ruy Castro, chegasse aos leitores.
O argumento de que não somos um país desenvolvido e, portanto, temos que nos contentar com as informações controladas pelas celebridades e seus herdeiros é equivocado, pois nunca seremos desenvolvidos se nossas elites usarem a Justiça para se proteger em antecipadamente de eventuais desvios de conduta de jornalistas e escritores, assim como usam as brechas da lei e os recursos intermináveis para não serem condenadas.
Por esse raciocínio, a censura prévia do noticiário é bastante aceitável, e, sempre que governos autoritários ou ditatoriais exercem seu poder de força para impedir a circulação de informações que não lhes agradam, alegam que o fazem para proteger a segurança nacional, ou os bons costumes.
Quando uma música de Caetano ou Chico Buarque era censurada durante a ditadura, o objetivo era justamente proteger a sociedade de suas mensagens "subversivas" e de suas "mentiras" sobre o país.
O mais espantoso, porém, é a tentativa de acordo proposta por alguns dos membros do grupo que defende a censura prévia: que o biografado receba uma parte dos direitos autorais da obra. Como disse Alceu Valença, "definitivamente, a questão não é financeira. A ideia de royalties para os biografados ou herdeiros me parece imoral. 'Falem mal, mas me paguem'? É essa a premissa??? Nem tudo pode se resumir ao vil metal".
Ouso de ações na Justiça para proteger a "imagem" chega a abusos como o de Roberto Carlos proibir uma publicação sobre a moda da Jovem Guarda. Ou como ocaso que me foi contado pelo poeta Ledo Ivo, que não podia nem mesmo usar em livros fotos em que aparecia com seu amigo Manuel Bandeira porque os herdeiros deste queriam cobrar "direito de imagem".
Assinei recentemente um manifesto a favor do fim da proibição das biografias sem autorização, e um dos trechos acho que resume bem a questão: "A dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito, uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade".
É assim que se age nas democracias, e buscar justificativas para cercear a liberdade de informação é dar munição para quem não convive bem com ela.
Um comentário:
Aqueles que são biografados, quem são? São medíocres, ou são seres "iluminados", está aí o X da questão.
Não deve-se esquecer, o ALCEU VALENÇA é um espécime lumeeiro e estas questões estão aquém do seu limiar.
"Tudo" vem de encontro ao "BOI BARRICA!"
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