GAZETA DO POVO - PR - 21/10
A “classe emergente” dos diplomados reflete todos os pecados da educação brasileira e compromete a produtividade dos empregadores
Temos uma boa e uma má notícia. Um dos dilemas crônicos do Brasil – nossa falta de jeito com a educação – deixa a cada dia de ser um assunto exclusivo de assembleia de professor. A questão ganha espaço nos círculos de economia e administração, preocupados com a qualidade da mão de obra. É ganho. Quanto mais setores da sociedade se ocuparem do assunto, melhor. A má notícia é que não se trata de um tema de trato fácil, como podem supor os gestores de alta patente, rápidos em pedir uma escola que “ensine a fazer” e garanta aumento de produtividade.
O Brasil se vê diante de um boom de novos diplomados. Em pouco mais de uma década, o número de universidades saltou de mil para algo próximo de 2,5 mil instituições. De acordo com o IBGE, no último ano 867 mil brasileiros conquistaram seu canudo, a maioria esmagadora em faculdades particulares. Esses números provocam uma expectativa imensa no mercado, não raro frustrada.
Os problemas de fundo da educação se refletem no terceiro grau. O aumento do número de vagas, as melhoras no acesso, por tabela, fizeram chegar ao ensino superior todos os dilemas enfrentados na escola básica. Prova disso se deu ano passado, com a divulgação do Índice de Alfabetismo Funcional, o Inaf. O levantamento calculou que 38% dos universitários brasileiros têm dificuldade em lidar com pensamentos complexos, gráficos e quantidade de informações numa frase. Sobressalto. Mas a resposta tem de ser o enfrentamento, inclusive por parte dos homens do capital, a quem escapam as diferenças de escala de um país de outrora, com poucas universidades, e o de hoje. Comparar esses dois públicos redunda num exercício de lugar comum. Melhor seria ao setor produtivo que assumisse mais e mais um papel formador, diminuindo o peso jogado sobre as costas da escola.
Para muitos analistas, a nova geografia educacional brasileira traz um fato curioso. As faculdades estariam se tornando extensões do ensino fundamental e médio. Não raro, o afortunado setor das pós-graduações é para muitos estudantes um reforço de graduações malsucedidas. Essas impressões carecem de aferição, é verdade, mas acenam que o país lida com dois índices – o da escolaridade indicada pelas estatísticas e o da escolaridade de fato.
Daí o espanto dos contratadores ao se darem conta de que o diploma da graduação não significa que retiraram da estante das faculdades um funcionário acabado. Não se quer dizer com isso que as instituições de ensino são inocentes. O avanço do terceiro grau gerou o fenômeno das apostilas – os sistemas – em faculdades. Diz muito, mas não diz tudo. A urgência do emprego no já chamado “mundo sem trabalho” move mais os alunos do que a experiência acadêmica. Os estágios se sobrepõem às aulas, o que qualquer incursão no setor de ensino pode confirmar.
É questão urgente. O diploma universitário é um fetiche nos país dos doutores. Tornou-se um objeto de consumo, como um carro ou uma viagem à Europa. Ainda que não se possa negar os ganhos de fazer uma faculdade – mesmo que seja uma faculdade ruim –, incorre-se no risco de um erro de estratégia, o de negligenciar a importância de proliferar bons cursos médios da área técnica. A academia, a propósito, ainda deve um estudo aprofundado sobre o efeito do antigo Cefet no desenvolvimento do Paraná. Muitos dos egressos são hoje da classe A.
Os efeitos da mercantilização do ensino superior não pegam de jeito apenas os empresários decepcionados. Apavoram os analistas. Reconhecem que melhora a taxa de escolaridade média de brasileiros acima de 25 anos, com ganhos salariais evidentes. Entre os menos escolarizados, os índices também avançam. Mas a estagnação do ensino médio indica maus agouros. A taxa de evasão – um dos índices mais difíceis de calcular, dados os contínuos retornos aos bancos escolares – pode beirar os 16%.
Muitos desses jovens amuados com a escola tentarão a faculdade para resolver seus problemas, o que não é garantia de nada. Outros tantos ficarão ao meio do caminho. Um e outro poderiam se beneficiar (e beneficiar o país) de um ensino médio com capacidade de desenvolver um bom ofício de fato. Não se está falando dos cursos macetosos criados pelo regime militar, cujo objetivo era a profissionalização a qualquer custo – inclusive ao custo de sonegar conhecimento. O que se reivindica são cursos fortes em tecnologia. Exigem alto investimento. Exigem rever a miragem criada em torno dos diplomas.
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