O que fazer diante do desgaste e da desmoralização, perante a opinião pública, do Congresso, dos partidos e seus políticos, pilares do Estado democrático de direito? Eis uma pergunta que as elites do país, responsáveis pelo status quo, deveriam estar se fazendo. A sobrevivência de velhas práticas, como o patrimonialismo e o fisiologismo; o transformismo dos partidos e o cretinismo parlamentar; a desmoralização de instituições democráticas; as demonstrações de autoritarismo e de ostentação de autoridades eleitas ou nomeadas; tudo isso leva à descrença e à desesperança em relação à política como meio de solução negociada dos impasses e de superação de dificuldades e problemas seculares da nossa sociedade.
O atual ambiente de plenas liberdades e garantias individuais é o mais longevo da República. Nunca antes, no Brasil, o habeas corpus ficou tanto tempo sem ser suspenso por um estado de sítio. A democracia no Brasil não é trivial, secular. A sua consolidação é recente e depende de um esforço permanente das forças democráticas. A Constituição brasileira só tem 25 anos, porém, já tem 75 emendas promulgadas pelo Congresso. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff chegou a propor uma plebiscito para realizar uma reforma política. Nosso país tem um ranço golpista e autoritário que não é monopólio dos militares. Pelo contrário, está impregnado na nossa cultura, à direita e à esquerda.
Desde as justas manifestações de descontentamento social que eclodiram a partir de junho, velhas concepções anarquistas, de um lado, e fascistas, de outro, ressurgem sob várias formas. Por exemplo, uns veem o habeas corpus como obstáculo à garantia da ordem; outros o utilizam para continuar praticando atos de violência e vandalismo, impunemente. Quem corre risco é o cidadão que luta por seus direitos pacífica e democraticamente. São lamentáveis os atos de violência de jovens manifestantes mascarados, assim como as prisões arbitrárias e a desproporcional truculência policial.
Há grande inquietação dos jovens brasileiros — já são 50 milhões — em relação ao presente e ao futuro. Esse é o motor dos protestos. A maioria deles não sabe o que é viver sob um regime ditatorial. Muitos acreditam que não existe democracia no Brasil, que a violência é válida na luta contra o que julgam estar errado, que as mudanças só ocorrerão na marra. É um equívoco, ainda mais num país que, bem ou mal, tem eleições a cada dois anos, livres de fraudes eleitorais, que amadurece sua experiência democrática.
Historicamente, em regimes democráticos, essa lógica só levou os jovens à aventura e ao desespero político. Um ambiente de revolta e frustração dos jovens, com violência e desordem, é terreno fértil para o surgimento de organizações extremistas. Por sua vez, a repressão política, uma vez que se baseia na força e não na persuasão, sempre descamba para o arbítrio policial. E faz ressurgir das cinzas velhas propostas para restringir as liberdades, violar direitos e garantias individuais e aumentar as punições em razão das desordens públicas. É o caldo de cultura àqueles que pregam o retrocesso institucional para acabar com a bagunça e restabelecer a ordem. É um erro pensar que só os governos conservadores e de direita adotam tais práticas. Governos populistas e de esquerda também o fazem em conjunturas conturbadas.
Não estamos diante de conflitos e problemas triviais. O mundo vive um choque entre duas civilizações atropeladas pelas mudanças tecnológicas. Com a globalização, a economia do carbono e o atual padrão de consumo colocam em xeque o modo de vida atual. Cientistas e governantes buscam respostas para esses problemas, mas não são capazes de construir consensos mundiais.
As contradições da nossa sociedade — globalizada, dependente e desigual — são complexas, profundas. Dependem de soluções que demandam vontade política focada no bem comum e não apenas nos grandes negócios. Exigem também avanços na ciência e novas alternativas econômicas. A saturação de nossas cidades pelo atual modelo macroeconômico leva ao colapso projetos administrativos aparentemente modernos, mas sem sustentabilidade no cotidiano dos cidadãos. O fracasso das políticas públicas — na saúde, na educação, na cultura, nos transportes e na segurança pública — provoca nos jovens a sensação de que a democracia serve apenas aos poderosos, quando é uma notável conquista popular. Esse entendimento errôneo só será superado com políticas públicas mais eficazes e a renovação das instituições políticas. É precioso mostrar aos jovens que a garantia de transformações duradouras e justas é o fortalecimento do Estado de direito democrático e não o seu desgaste.
Bons dias!
Estou de volta à Entrelinhas, com análises, comentários e informações políticas. Nos encontraremos nesse espaço todas as segundas, quartas e sextas-feiras.
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