FOLHA DE SP - 05/09
A explicação de Obama, que insinuou o terrorismo como justificativa, foi apenas a permanência no despudor
Mesmo para um chefe de Estado --condição em que a espécie humana tem exibido alguns de seus piores espécimes-- é de um despudor assombroso a explicação de Barack Obama para a violação americana da soberania alheia, como na espionagem aos e-mails da presidente Dilma Rousseff: é "para entender melhor o mundo".
A referência, mais adiante, a "algumas áreas de preocupação", que seriam o terreno de tais ações americanas, insinuou o terrorismo como justificativa, mas foi apenas a permanência no despudor.
Nem com a tresloucada hipótese de estarem a presidente brasileira e o presidente do México, Peña Nieto, a tratar de terrorismo com seus ministros e assessores em geral, a indução de Obama seria prestável. As primeiras denúncias de Edward Snowden documentaram a espionagem do governo americano na França e na Alemanha, captando comunicações eletrônicas entre instituições, entre empresas e em delegações de reuniões internacionais. Nada a ver com áreas potencialmente preocupantes.
Não foi à toa que a Alemanha tratou de criar plataforma própria para a comunicação informática, fugindo ao uso das americanas que, além de expostas à interceptação das agências de espionagem dos EUA, provou-se estarem sujeitas a ordens do seu governo para lhe entregarem informações sobre seus clientes. A solução técnica da Alemanha está em estudo no Brasil como uma das possíveis a serem adotadas para proteger-se da espionagem americana.
Está dado como atenuador da preocupação brasileira, decorrente da violação das comunicações de Dilma Rousseff, o uso de numerosas siglas de e-mails para o seu trabalho governamental. Mas daí não decorre melhora alguma de inviolabilidade. Os agentes americanos que fizeram a primeira interceptação estavam aptos, desde então, a repeti-la em todas as outras linhas da mesma usuária.
O Senado já tomou suas providências, porém. Está instalada a CPI da Espionagem. O que aconteceu em sessão bastante sugestiva: com um só senador presente diante da mesa dirigente dos trabalhos.
GOLPISMO
Todo mundo, ou quase, caiu no golpe do fim do voto aberto, aplicado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves. Se fosse mesmo para acabar com o voto secreto no que interessa, está em uma de suas gavetas o projeto já aprovado pelo Senado, que impõe o voto aberto nos casos de possível cassação de mandato.
Caso lhe parecesse necessário derrubar todas as exigências atuais de voto secreto, a Henrique Alves bastaria providenciar um projeto a acrescentar-se, daqui a pouco, à medida parcial originada do Senado. A solução que adotou é a mais demorada. E problemática. Duas condições que o experiente Henrique Alves já sabia muito antes de empurrar a Câmara à "votação unânime" para limpar-se um pouco do seu merecido conceito.
Os senadores que reagem ao projeto aprovado pela Câmara têm motivos merecedores de discussão. O voto secreto foi posto na Constituição para proteger os congressistas de determinadas possibilidades de represálias. Votos negativos, por exemplo, nas sabatinas de indicados a procurador-geral da República. Alguns dos sigilos desejados pelos senadores, como na permanência ou derrubada dos vetos presidenciais a aprovações parlamentares, são muito discutíveis. Mas, sem dúvida, o que a Câmara fez, induzida por Henrique Alves, foi só um golpe baixo.
E como tal deve ser tratado, não como uma correção da Câmara arrependida.
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