O ESTADÃO - 15/09
Com a arrecadação tributária em queda, as despesas correntes da União em alta e a confiança na competência da gestão econômica do País abalada, a equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega, finalmente acordou: começa a reconhecer que será muito difícil cumprir a meta fiscal de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e já admite recuar sua estimativa para 2%. É mais do que esperam economistas de bancos e consultorias, que vivem de tentar acertar o futuro e que situam suas previsões próximas de 1,7% do PIB (pesquisa Focus, do Banco Central).
Guido Mantega e sua turma acreditam que, se conseguirem economizar 2% do PIB para pagar juros, a dívida pública não vai aumentar e se manterá estável. Como? Não explicam. Eles só precisam combinar com o Banco Central, que vem aumentando a taxa Selic, e com a chefa Dilma Rousseff, que age em sentido contrário e está sempre criando demandas que implicam aumentar os gastos do governo e a dívida pública, na sequência. Vamos voltar a essas demandas adiante.
Até agora, Mantega tem recorrido à alquimia, à maquiagem grosseira e ao truque bobo - que ganhou o desmerecido nome de contabilidade criativa - para fingir que a meta fiscal foi cumprida e que a dívida pública não cresceu, mesmo com o governo emitindo dinheiro e gastando mais do que pode. Capitalizações daqui, empréstimos dali, antecipações de dividendos de estatais acolá, o ministro foi recorrendo mais e mais a contorcionismos grosseiros para esconder o descumprimento da meta fiscal e falsear o resultado da dívida líquida.
Mas, como é inescapável a falsificação aparecer em algum lugar, a dívida bruta passou a registrá-la e a crescer. Com isso, o ministro e sua turma só conseguiram desmoralizar o indicador da dívida líquida, atiçar os descrentes, engrossar o caldo da crise de confiança e convencer investidores a adiar ou a desistir de investimentos, temendo a excessiva interferência do governo, até mesmo para maquiar seus números.
Pelo menos agora Guido Mantega age na direção certa: reconhece que a meta fiscal está muito distante e admite reduzi-la, em vez de recorrer a manobras idiotas. E o faz pela segunda vez, já que prometeu um superávit primário de 3,1%, no início do ano, decidiu baixá-lo para 2,3% e, agora, para 2%.
Ainda bem, porque, se insistisse em adaptar desejos e mentiras à ciência exata da matemática, só levaria o Brasil à lamentável companhia da desacreditada Argentina, que falseia os índices de inflação, PIB, desemprego, pobreza, etc.
Certo é que a política da enganação fez mais mal do que bem ao desempenho do governo Dilma Rousseff, e não havia sentido algum em mantê-la: ela nunca conseguiu enganar ninguém, desmoralizou o indicador oficial da dívida e o mercado financeiro passou a trabalhar com os seus próprios números. Em 2012, por exemplo, o mercado já trabalhava com 1,5%, quando o governo anunciou ter fechado a meta fiscal em 2,38% do PIB.
Melhorar o resultado fiscal e conseguir fechá-lo em 2% do PIB em 2013 implicaria, entre outros fatores, dinamizar a economia e, com isso, elevar a receita tributária, que vem caindo continuamente ao longo do ano. Nesse sentido, o desempenho do PIB no segundo trimestre de 2013 respondeu satisfatoriamente, ao avançar 1,5% em relação ao primeiro trimestre do ano. Nenhum analista de mercado previu tal desempenho, erraram todos. Como também erraram ao projetar até retração para as vendas do varejo em julho - e foram surpreendidos com um crescimento de 1,9% em relação ao mês anterior. O PIB foi puxado pelo investimento (alta de 3,6%) e pela produção industrial (avanço de 2%), mas o efeito positivo sobre a receita tributária foi pífio.
Os analistas reconheceram o erro, mas continuam sustentando previsões negativas para o resto do ano. De fato, o alívio da produção industrial no segundo trimestre foi efêmero e já foi desfeito em julho, com o indicador se retraindo em 2%. Em São Paulo, o quadro foi pior: a indústria caiu 4,1%.
Porque trabalha com o futuro, e não com o passado, não foi o alívio do PIB entre abril/junho que levou o Banco Central a dar uma guinada de 180 graus na última Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) e substituir sua análise de política fiscal do governo de expansionista para neutra. Ou seja, de repente, passou a ter efeito neutro o que na Ata do Copom anterior a direção do Banco Central denunciava estar no cerne do descontrole da inflação e do mau desempenho do PIB.
Os próximos meses vão confirmar ou desmentir o que dizem governo e analistas privados. O próprio governo, no entanto, desconfia de um futuro sombrio ao reconhecer a necessidade de reduzir a meta fiscal.
As demandas de Dilma. O ansiado equilíbrio fiscal nunca chegou ao Brasil porque os sucessivos governantes se recusam a enfrentá-lo, sabendo que precisam de fígado forte, muita disposição e coragem para contrariar interesses políticos - e não só corporativos. Dilma Rousseff não foi a primeira nem será a última. Mas ela frustrou esperanças de quem, no início de seu mandato, acreditou que ela conseguiria pelo menos eliminar desperdícios de dinheiro público que escorrem pelos dutos da corrupção na esplanada dos ministérios.
A presidente demitiu alguns ministros de Estado, mas não demorou nada os corruptos voltaram. No Brasil, o sentido da função pública inverteu e ganhou status institucional: o ministro do partido aliado do governo não está ali para servir ao Brasil, mas para tirar proveito do cargo e da verba pública do ministério em favor de seu partido.
Mas não é só isso. Outras demandas sugadoras de dinheiro público fracassaram e entraram no poço sem fundo e sem volta. A política de transformar grupos empresariais em players internacionais sugou bilhões de reais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - o grupo Eike Batista é só um dos exemplos. Isso foi um fiasco e ainda criou esqueletos para o banco.
Depois de ver fracassarem licitações mal feitas ou atrair concessionários de terceira linha, o governo deu mais uma guinada e vai garantir crédito para 70% do custo dos investimentos em infraestrutura. Tomara que dê certo. Pelo menos é investimento. Pior são os R$ 10 milhões que o Senado gastou em 2012 com selos postais.
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