FOLHA DE SP - 15/09
A taxa de ocupação é a maior entre todas as 48 profissões de nível superior; não há médicos sobrando
Desde que o Executivo federal baixou a medida provisória 621, de 8 de julho de 2013, a sociedade discute o programa Mais Médicos. Há visões as mais distintas, desde os que defendem o programa até os que são contra a contratação de médicos formados no exterior cujos diplomas não foram validados no Brasil.
A solução jurídica encontrada pelo governo é engenhosa. Os médicos formados no exterior, sem diplomas revalidados no país, e que somente poderão exercer a medicina no âmbito do programa, são juridicamente considerados como médicos intercambistas --isto é, uma espécie de bolsista.
É por esse motivo que o trabalho desses médicos não produz vínculo empregatício e que o ministério tem poder de escolher o local de trabalho dos profissionais.
Na lei, os médicos intercambistas são tratados como pesquisadores que recebem uma bolsa do governo brasileiro e que, além das atividades clínicas, terão algum envolvimento com pesquisa. Segundo o artigo 8º da MP, "o aperfeiçoamento dos médicos participantes ocorrerá mediante oferta de curso de especialização por instituição pública de educação superior e envolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terá componente assistencial mediante integração ensino-serviço".
É claro que o governo está interessado no "componente assistencial mediante integração ensino-serviço". A integração ensino-serviço abre a brecha para que os intercambistas cliniquem.
Evidentemente, impossível saber se o Judiciário permitirá tal arranjo. Somente o tempo dirá.
Do ponto de vista dos economistas, parece-me que há duas perguntas relevantes a que podemos responder. Primeiro, o Estado brasileiro gasta pouco em saúde ou não? Segundo, há evidência contundente de carência de profissionais de saúde?
É bastante difícil saber o que é muito ou pouco. Uma forma simples é comparar o gasto do Estado brasileiro com saúde como proporção do produto com o gasto de outras sociedades, controlando-se pelo PIB per capita. Isto é, o setor público brasileiro gasta mais ou menos do que economias com renda per capita próxima à nossa?
O Banco Mundial divulga dados de gastos públicos em saúde como proporção do PIB para uns 180 países. Divulga também o PIB per capita e a proporção de idosos na população total. Uma regressão simples dos gastos públicos em saúde como proporção do PIB em função das duas variáveis --renda per capita e proporção de idosos na população total-- sugere que nosso gasto é muito próximo da norma internacional. Para um gasto médio do setor público no período 2007-2011 de 3,84% do PIB, o ajuste da regressão sugere que teríamos de gastar 3,89% do PIB (o ajuste mostra o que seria de esperar do Brasil, quando se leva em conta a comparação com outros países, usando aquelas duas variáveis). Assim, não parece que gastamos pouco com saúde. Vamos à segunda pergunta.
Há escassez de médicos que justifique a facilitação de ingresso de profissionais formados e credenciados em outras sociedades, com o fim de atuarem em regiões carentes com baixa oferta de médicos?
Uma forma de responder a essa indagação é verificar se o salário médio de um médico é elevado. Preço elevado é o sinal mais claro da escassez de algum bem ou serviço.
Recente relatório do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sugere que esse é o caso. Faltam médicos no Brasil. No artigo "Escolhas universitárias e performance trabalhista", assinado pelo presidente do Ipea, Marcelo Neri, e publicado no documento "Radar", número de 27 de julho de 2013, há um cuidadoso levantamento da remuneração das diversas profissões de nível superior.
A partir dos microdados do Censo demográfico de 2010, a tabela 1 da página 8 da referida publicação documenta que a renda mensal média de um médico no Brasil em 2010 foi de R$ 8.459, bem acima da segunda profissão mais bem paga, a de dentista, que foi de R$ 5.367. A diferença de renda entre a segunda melhor profissão de nível superior e a dos médicos é de 58%!
Outros indicadores também sugerem que não há médicos sobrando no país. A pesquisa mostra que a taxa de ocupação é a maior entre todas as 48 profissões de nível superior pesquisadas por Neri. Há, portanto, indicações contundentes de carência de oferta de médicos no Brasil.
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