O GLOBO - 15/09
As luzes de setembro, a chegada da primavera; a temperatura amena, tudo toma o mês encantador. Mas a história tem deixado cicatrizes no mês: os 40 anos do golpe do Chile, os 12 anos do atentado às Torres Gêmeas, os cinco anos da crise econômica. Os sinistros de setembro permanecem com suas sombras, exigindo de nós reflexão e superação.
Certas dores precisam ser analisadas, para serem um dia, eventualmente, superadas. Não são simples efemérides. Elas ficaram, de certa maneira. A devastação do 11 de setembro do Chile não foi esquecida. Foram dois mil e quinhentos mortos, e a sombra permanece. Na eleição, concorre mais uma vez a filha do general morto pelo regime. Michelle Bachelet deve governar de novo o país. Mas também concorre, por ironia, Evelyn Matthei, filha de um dos suspeitos pela morte do pai de Bachelet. Companheiros de farda, Bachelet foi preso na Academia de Guerra dirigida por Matthei. Contudo, o Chile avança na economia e na democracia.
O 11 de setembro de 2001 em Nova York encerrou o período iniciado na queda do muro de Berlim e no qual se vislumbrou a chance de um mundo sem as profundas divisões da guerra fria. Na política americana, a direita fundamentalista se fortaleceu e a lei de segurança interna perturbou turistas e atormentou todos os americanos que desafiassem o comportamento padrão. Duas guerras foram deflagradas, alguns direitos individuais foram suspensos, como o de não ser mantido preso sem julgamento. Quem achou que tudo ocorria porque o governo Bush era uma aberração vê agora, no segundo governo do democrata Barack Obama, que a lógica da segurança nacional seqüestra qualquer presidente. A burocracia da segurança interna dos Estados Unidos se da o direito de invasão da privacidade de pessoas, governantes e empresas de outros países.
O efeito do 11 de setembro permanece e acaba de criar, entre Brasil e Estados Unidos, um enorme desconforto diplomático.
O quinto aniversário da crise econômica ocupou as páginas deste jornal nos últimos dias com seus amplos desdobramentos. As finanças dos países continuam arruinadas, as economias permanecem abaladas e a pior herança não foi enfrentada. O desemprego é alto em quase todos os países da Europa e atingiu níveis intoleráveis entre a juventude.
A Europa já fala de uma geração perdida que não consegue entrar na hora certa no mercado de trabalho e que vive o desalento de constatar que o presente é pior que o passado, e o futuro não traz esperança.
Nenhum banqueiro, administrador de fundos, inventor de ativos tóxicos respondeu por seus atos de gestão temerária do dinheiro da população. Nenhuma agência de risco foi constrangida a explicar suas notas máximas para ativos podres, muitos deles criados sob orientação das próprias agências num flagrante conflito de interesses. Elas permanecem no mercado, com sua lista de clientes e sua influência sobre a alocação de recursos. Para não dizer que não houve punidos, houve um único caso: o da quebra do Lehman Brothers, que fez com que seus acionistas perdessem patrimônio. Todos os bancos que quebraram antes e depois foram salvos com dinheiro do contribuinte, elevando as dívidas públicas a níveis extravagantes. Até os Estados Unidos já viveram — e voltarão a viver em breve — o drama de visitar a véspera do calote a cada vez que precisa elevar o teto do endividamento público. Já os bancos voltaram a ficar tão lucrativos quanto antes. Aqui no Brasil, no Proer dos anos 1990, os banqueiros perderam seus bancos, os ativos dos poupadores foram preservados, e os donos e administradores foram responsabilizados na Justiça.
Nada liga os fatos acima. Por fatalidade, ocorreram em setembro. Por coincidência, são eventos, políticos ou econômicos, que se prolongam no tempo. A viúva de Victor Jara, o músico chileno barbaramente morto na tortura, ainda aguarda que os criminosos sejam punidos. A governança americana continua soterrada pelas cinzas das Torres Gêmeas e a NSA, a agência de segurança nacional, iguala na espionagem burra e abusiva países com histórias tão diferentes quanto Brasil e Irã. A economia mundial ainda vive os efeitos da crise detonada pela quebra do Lehman Brothers. As dores, políticas ou econômicas, de setembro são duráveis. Ainda não permitem dizer que o passado passou.
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