FOLHA DE SP - 15/09
Obras de infraestrutura podem impulsionar ciclo de desenvolvimento, mas governo não consegue criar condições atraentes
Com forte apoio financeiro do governo federal, começa nesta semana uma nova fase de concessões de infraestrutura --rodovias, ferrovias, portos e aeroportos-- no país.
Trata-se de momento decisivo para a administração Dilma Rousseff, que busca resgatar a confiança dos investidores e retomar a iniciativa na gestão da economia.
A rodada de leilões seria inaugurada de fato no dia 18 (quarta-feira), quando se conheceriam as propostas dos consórcios interessados em operar as rodovias BR-262 (ES-MG) e BR-050 (GO-MG).
Ocorre que, anteontem, foram entregues oito lances para a BR-050 --quantidade considerada apenas normal-- e nenhum para a BR-262. Ou seja, não apareceram interessados em operar a estrada que interliga Espírito Santo e Minas Gerais.
A repercussão dessa abstenção algo surpreendente vai além dos dois trechos em questão, relativamente modestos --somados, são 800 km de um total de 7.500 km de estradas que devem ser licitadas.
A rodada inicial, de certo modo, serve como teste sobre as chances reais de sucesso de todo o programa de concessões. Desse ponto de vista, as duas estradas ora em disputa, supostamente atraentes pelo bom volume de tráfego e menor risco de execução dos projetos, eram consideradas estratégicas.
Diante do fracasso verificado na sexta-feira, parte do plano precisará ser, na melhor das hipóteses, adiada. O recado não poderia ser mais claro: a iniciativa privada ainda não considera atrativas as condições oferecidas pelo governo.
Persiste, contudo, a inegável importância do Programa de Investimentos em Logística.
No total, haverá aportes próximos de R$ 210 bilhões (sem o controverso e improvável trem-bala): R$ 91,1 bilhões destinados a 10 mil km de ferrovias, R$ 46 bilhões às rodovias, R$ 54,6 bilhões para portos e R$ 16 bilhões para aeroportos. Além disso, o governo pretende arrecadar pelo menos R$ 15 bilhões com a outorga do campo de petróleo de Libra, no pré-sal.
A permanecer o modelo já definido para as concessões, 70% desses valores seriam financiados pelo BNDES e outros bancos estatais.
Bem executado, o programa poderia, em alguns anos, ser um antídoto poderoso contra a perda de dinamismo da economia. A infraestrutura sobressai, entre as oportunidades para alavancar o investimento, por reduzir custos e melhorar a produtividade.
No caso brasileiro, os aportes no setor foram de 2% do PIB nos últimos anos, o que mal compensa a depreciação. Estudo da consultoria McKinsey aponta um deficit de infraestrutura no Brasil próximo a US$ 1 trilhão --valor que seria necessário para pôr o país na média global quanto a estoque de capital investido em relação ao PIB.
Para cobrir a defasagem em duas décadas, o país precisaria ao menos duplicar os aportes --ou seja, R$ 150 bilhões a mais por ano.
O programa federal representa, portanto, um pedaço pequeno, mas importante, das necessidades. Colocá-lo em andamento, porém, não será fácil --como já ficou evidente com a BR-262.
O desafio maior está na estruturação de projetos e na definição de modelos sólidos de parceria ou concessões, quesitos em que o governo tem falhado. Digladiou com o setor privado para impor taxas de retorno pouco atrativas e perdeu-se em disputas ideológicas.
Hoje, diante de condições internacionais menos favoráveis, juros internos em alta e credibilidade em baixa, o governo se vê na desconfortável posição de refém do setor privado e acaba por oferecer condições até mais vantajosas do que teria sido necessário há dois anos.
Para as rodovias, além do financiamento subsidiado, bancos públicos e fundos de pensão estatais se comprometeram a aportar R$ 12 bilhões para uma participação acionária de até 49% dos consórcios. Na prática, com isso, o dinheiro privado poderá representar somente 15% do total.
No caso das ferrovias, o modelo pretendido pelo governo estatiza o risco de bilhões de reais na Valec, que comprará toda a capacidade e a revenderá aos interessados. Se houvesse mais confiança nas regras e na política econômica, provavelmente o setor privado estaria disposto a correr mais riscos.
O Tribunal de Contas da União também fez ressalvas ao programa e sinalizou que não aprovará o modelo proposto para as ferrovias. Por isso, o leilão do trecho entre Açailândia (MA) e Barcarena (PA) já deve atrasar.
Pelo bem do país, espera-se que a ausência de interessados na BR-262 seja problema pontual. O mais provável, contudo, é que, à luz dos erros recentes, o governo continue a ter muita dificuldade para mobilizar o setor privado a fim de viabilizar um ciclo de desenvolvimento a partir da infraestrutura.
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