FOLHA DE SP - 15/09
SÃO PAULO - No belo texto que escreveu para a "Ilustríssima" da semana passada, Reinaldo José Lopes levantou uma questão importante: o pendor humano por narrativas ficcionais é uma adaptação ou apenas um efeito colateral de nossas preferências cognitivas, o tal do "cheesecake mental", na saborosa metáfora de Steven Pinker?
Acredito que essa discussão seja mais geral. Os argumentos que valem para a ficção servem também para discutir o lugar da arte e até da religião e da moral. O que está em jogo, no fundo --e que provoca as fortes desavenças entre especialistas--, é o papel da seleção de grupo.
É razoavelmente fácil defender que todas as formas de arte e religiosidade sejam adaptativas, se aceitamos a seleção de grupo, isto é, a ideia de que cantos e danças em louvor do deus local, ao reforçar a coesão do bando, o tornam mais apto a enfrentar tribos rivais e sobreviver.
A linha mais dura do neodarwinismo, entretanto, rejeita esse tipo de teoria. Seus representantes têm um problema sério com a seleção de grupo, já que a veem como irremediavelmente instável: o sujeito com mais propensão a sacrificar-se pela coletividade tem maior probabilidade de morrer na guerra, levando consigo seus genes magnânimos. Seria assim difícil fixar num "pool" genético características que favorecem o grupo em detrimento do indivíduo.
Essa abordagem mais biologicamente ortodoxa foi a dominante desde que se firmou, na década de 70, até os últimos anos, quando defensores da seleção de grupo começaram a sair do armário. O caso mais célebre é o de E. O. Wilson, que ajudou a formular os conceitos que permitem explicar a cooperação sem recorrer a grupos, mas agora mudou de lado, despertando a ira dos ex-colegas.
O bacana aqui é que o resultado desse debate, que ainda é bastante incerto, irá reajustar nossa visão sobre temas tão distintos como a arte, Deus e o certo e o errado.
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