FOLHA DE SP - 17/09
Acreditar que o regime de Assad vai entregar uma lista com todo o seu arsenal químico é coisa de otários
1.
Há pessoas que duvidam do aquecimento global. E há pessoas que duvidam do aquecimento global antropogênico. Não é a mesma coisa.
As primeiras desconhecem, em suma, a história da humanidade. Entre os séculos 11 e 13, o planeta aqueceu bastante. Nos séculos 17 e 18, parece que arrefeceu bastante. Isso para ficarmos em períodos anteriores à Revolução Industrial.
Que a humanidade aquece (e arrefece) por longos períodos de tempo, eis um fato que dispensa grande polêmica científica.
Coisa diferente é saber se a humanidade aquece porque os homens aquecem o planeta. Atenção aos termos: eu não disse que os homens não aquecem o planeta. Apenas questiono se o planeta aquece dramaticamente porque os homens o aquecem dramaticamente com a emissão de CO2.
A partir do ano 1000, as temperaturas na Europa não seriam muito diferentes das atuais. Será preciso lembrar que o homem medieval só emitia gases para a atmosfera depois de certas comidas condimentadas?
Pois bem: parece que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas começa a ter dúvidas sobre as suas próprias certezas. Já tinha escrito na edição on-line da Folha a respeito. O "Sunday Telegraph" volta agora ao assunto e eu volto também.
Para começar, parece que desde 1951 o mundo aqueceu 0,12ºC por década, e não 0,13ºC. Coisa pouca? Admito. Mas para quem gosta de fazer previsões com o rigor da ciência, números são números.
Mas há mais: a julgar pelo relatório preliminar do Painel, os cientistas não concederam a importância devida às variações climatéricas naturais, que muitas vezes são mais determinantes do que as emissões de CO2 propriamente ditas.
O período medieval referido é apenas um exemplo. E a estagnação das temperaturas desde 1997 é outro: parece que os termômetros não dão sinais de vida há 15 anos e o gelo antártico, que se considerava em desaparecimento, atingiu em 2013 quantidades alarmantes.
Claro que nada disso parece perturbar, por enquanto, o dogma central do Painel da ONU: com "95% de certeza" (sic), o relatório continua a defender que o aquecimento global é culpa do homem.
Já é um progresso: 95% sempre permite que céticos como eu se agarrem aos restantes 5%. E não será de excluir que esses 5% tenham o mesmo destino que o gelo em vias de extinção na Antártida.
2.
Leitores vários não gostaram do meu texto ("Baratinha tonta") na semana passada. Barack Obama, uma barata tonta no caso da Síria?
Longe disso, escreveram-me alguns deles. Depois de estabelecer "linhas vermelhas" que o regime sírio não poderia cruzar, Obama conseguiu finalmente que Bashar al-Assad entregue uma lista com todo o seu arsenal químico para posterior destruição até o meio do ano que vem. Obama ganhou essa jogada.
Com a devida vênia ao auditório, discordo. Obama pode ter encontrado no acordo russo-americano uma boia de salvação para terminar o segundo mandato com um mínimo de dignidade. Mas quem saiu a ganhar não foi Obama. Foi Bashar al-Assad e, claro, Vladimir Putin.
Sobre Putin, a carta do próprio publicada no "The New York Times" será um dia estudada como peça notável de hipocrisia política.
Depois de declarar que Moscou não apoia Damasco (o envio de material militar tem sido apenas por razões humanitárias, presume-se), Putin veste o traje de grande democrata para lembrar ao mundo a importância dos direitos humanos e da lei internacional (que ele, escusado será dizer, respeita na Rússia como grande democrata que é).
Sobre Assad, nem vale a pena comentar a fantasia: acreditar que o regime vai entregar uma lista com todo o seu arsenal químico é coisa de otários, não de gente adulta e racional.
Como é coisa de otários acreditar que os inspetores externos terão livre acesso a qualquer instalação militar (no meio de uma guerra civil), ainda para mais quando se sabe, via "The Wall Street Journal", que o exército sírio tem sido veloz na dispersão do material por mais de 50 locais diferentes.
O que vem aí é mais do mesmo: uma farsa, na melhor tradição iraniana, em que os inspetores não inspecionam nada e o regime colabora o suficiente para ganhar tempo e poder continuar as suas matanças "convencionais".
Viva Obama! Tudo está bem quando acaba mal.
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