O GLOBO - 17/09
Juízes não podem se render ao populismo, mas não é este o caso do mensalão, processo julgado com esmero. Trata-se é de defender o Judiciário a favor da democracia
Se tudo se resumir a uma questão de coerência, o ministro Celso de Mello desempatará a favor dos réus mensaleiros o julgamento no Supremo da admissibilidade dos embargos infringentes pela Corte. O ministro, na fase de definição das sentenças, já admitira estes embargos para quem obtivesse no mínimo quatro votos favoráveis, condição que permite um outro julgamento, com novos relator e revisor.
A coerente história de seriedade e conhecimento técnico do magistrado Celso de Mello, decano do STF, o coloca acima de suspeições. Mesmo se ele vier a mudar de posição, diante da argumentação dos cinco ministros que se pronunciaram contra a possibilidade de outro julgamento para 12 dos 25 condenados no processo.
A situação criada pela redação da lei federal 8.038, de 1990, que trata do processo penal no Superior Tribunal de Justiça e no STF, sem se referir aos embargos infringentes, mantidos no regimento da Corte, permitiu a divisão do Pleno do Supremo. Como, a partir da Constituição de 1988, origem do STJ, o Supremo deixou de legislar sobre seus ritos, e a função passou ao Congresso, a não referência aos embargos na lei foi considerada uma revogação implícita deste tipo de recurso. Mas não é pacífico o entendimento, como se viu no STF. Pior, como observou a ministra Cármen Lúcia em seu voto contra os embargos, o fato de o STJ não prevê-los em seu regimento criará um desequilíbrio no sistema jurídico, caso eles passem a vigorar do STF: governadores, cujo foro privilegiado é o STJ, não contarão com este recurso, ao contrário de deputados federais, senadores e presidente da República, julgados pelo Supremo. Criam-se regras diferentes a depender do cargo, algo inconstitucional.
Há meandros de tecnicidades nessa discussão. Mas, como da decisão de quarta dependerá o veredicto final, por alguns crimes, dos petistas ilustres José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e João Paulo Cunha, o voto de Celso de Mello tem um alcance para muito além dos compêndios jurídicos. Por isso, na última sessão, ouvir ou não as “ruas” foi um tema que dividiu juízes. De fato, julgar preocupado com as multidões não é função do Judiciário. A América Latina reúne histórias de crises institucionais derivadas do populismo jurisdicional, seguido para agradar as massas.
Mas não é este o caso do mensalão, um processo que tramita há sete anos, tendo sido garantidos amplos direitos de defesa e do contraditório, e no qual as condenações se fundamentaram num trabalho profundo e intenso dos ministros e do MP. Trata-se apenas de se ter a consciência de que se coloca em jogo, amanhã, a credibilidade angariada pelo Judiciário junto à população, graças a um julgamento até aqui conduzido pelo Supremo de maneira irretocável. Foi quebrada, pelo menos até agora, a antiga e corrosiva ideia de que ricos e poderosos aristocratas são intocáveis.
No pano de fundo da sessão de amanhã está a certeza de que sem um Judiciário respeitado não há democracia estável e consolidada.
2 comentários:
Por que se calam diante do escândalo dos trens de São Paulo? Por que o silencio em relação a esse fato e a gritaria em relação ao mensalão? Os dois não crimes do mesmo jeito e com a mesma importância? Ou será que a diferença são os envolvidos?
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