O Estado de S.Paulo - 17/09
Circula uma sensação de que a etapa potencialmente mais tumultuada de reversão das injeções de liquidez promovidas pelo Federal Reserve, nos Estados Unidos, que, diga-se, ainda nem começou, já tenha passado. Às vésperas da reunião de setembro do Comitê de Mercado Aberto, que pode decidir, amanhã, pela deflagração do processo de redução do volume de irrigação da economia, os mercados cambiais operam em relativa calma.
Também no Brasil, onde as turbulências provocadas desde maio, quando aumentou a percepção de que o tapering estava próximo, foram mais fortes do que em outras praças, o dólar parece ter encontrado um ponto de estacionamento, entre R$ 2,30 e R$ 2,40. Não há exercício mais arriscado do que o de prever a trajetória futura da taxa de câmbio, mas os analistas agora parecem concordar que eventuais transbordamentos dessa faixa não se sustentariam além dos soluços especulativos que os provocassem.
Incluído nos "cinco frágeis"- grupo formado pelas moedas da Indonésia, Turquia, Índia, África do Sul e Brasil, na expressão cunhada pelo banco Morgan Stanley -, o real, mais uma vez, foi a moeda emergente com a resposta mais elástica às nuvens de gafanhoto especulativas do mercado cambial. Assim como subiu rápido e registrou valorização acima de 40%, na fase de risonha da inundação de liquidez promovida por bancos centrais dos países desenvolvidos, entre 2007 e 2011, desceu mais rápido ainda a ladeira da desvalorização, com perdas de até 20%, em poucos meses, a partir de maio deste ano.
Alguns elementos estão contribuindo para esvaziar as tensões no mercado cambial brasileiro e já há, entre os analistas internacionais, os que consideram a hipótese de excluir o real da cesta das moedas mais voláteis. Além de uma melhor compreensão dos limites de uma reversão muito acelerada da liquidez nos Estados Unidos, as intervenções do Banco Central brasileiro, furando fluxos especulativos com a oferta de dólares em doses diárias e prazo definido, ajudam a clarear o horizonte.
Uma curiosidade nesse enredo é que o real parece ter encontrado um ponto de acomodação sem mudanças dignas do nome no ambiente de deterioração das contas externas - fator geralmente apontado como responsável pelo protagonismo da moeda brasileira nessa etapa de desvalorização das moedas emergentes ante o dólar. O déficit em transações correntes se aproxima dos 4% do PIB e os investimentos diretos externos continuam insuficientes para cobri-lo integralmente, mas o câmbio acalmou. Esse fato permite levantar a hipótese de que a explicação mais óbvia pode não ser a melhor. Determinar a causa mais relevante, porém, é que são elas.
A economista e consultora Zeina Latif, por exemplo, escreveu um artigo recente para o serviço em tempo real Broadcast, da Agência Estado, no qual afirma não haver correlação forte entre taxa de câmbio e fluxos cambiais. Para a economista, muito mais relevante, na determinação da taxa de câmbio, é o grau de solidez do crescimento econômico. Já economistas da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, segundo publicado na recém-lançada "Carta do Ibre", de setembro, concordam que a situação das contas correntes não é o principal determinante das variações cambiais, mas, diferentemente da colega, atribuem o papel mais importante, na determinação da taxa de câmbio, à trajetória e ao nível da dívida pública bruta. Como se vê, ainda não há consenso e sobram especulações sobre o câmbio.
Assim como na física, em que dois ou mais corpos não podem ocupar juntos o mesmo espaço, na economia, duas ou três razões diferentes não podem explicar, sozinhas e ao mesmo tempo, um único fenômeno. Vai ver que a melhor explicação seja a mais simples e as variações das cotações respondem mais à mera existência de um mercado cambial muito mais líquido do que os dos demais emergentes.
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