Dilma acertou ao suspender a visita aos Estados Unidos, mas o fato de aconselhar-se com o marqueteiro em vez do Itamaraty entrega as motivações da presidente
A presidente Dilma Rousseff resolveu suspender a visita de Estado que faria aos Estados Unidos em outubro, após as revelações de que o governo norte-americano andava bisbilhotando as comunicações de brasileiros, incluindo a própria presidente – embora não haja evidências de que alguma comunicação concreta entre Dilma e seus auxiliares tenha sido interceptada. Também se divulgou que até a Petrobras teria sido alvo da espionagem norte-americana, embora a presidente da estatal, Graça Foster, tenha dito ao Senado nesta semana que não há sinal de que informações da empresa tenham sido acessadas por agentes estrangeiros (mas não deixaria de ser interessante saber a real extensão da aparelhagem promovida pelo governo na estatal).
Dilma agiu bem em suspender – o comunicado oficial fala em “adiamento”, e não em “cancelamento” – a viagem. Afinal, não havia clima para confraternizar com Barack Obama. Não pelo simples fato de haver espionagem: os Estados Unidos espionam, espionaram e seguirão espionando, isso é certo, assim como todas as demais potências o fazem, e provavelmente o Brasil age da mesma forma com outros países. O que azedou as relações bilaterais foi a resposta insuficiente dada pelo governo norte-americano aos pedidos de explicação brasileiros, especialmente porque a bisbilhotagem foi revelada por terceiros, em vez de ser descoberta pela inteligência brasileira (o que também mostra a precariedade do nosso serviço atual de contraespionagem), criando um constrangimento público. A suspensão é uma resposta muito melhor que outras sugestões que vêm sendo divulgadas, como a criação de um serviço estatal de e-mail, já apelidado de “e-mailbras” (para que os brasileiros possam ser espionados pelo seu próprio governo, e não pelo governo alheio, segundo o humor da internet), ou a ideia de “cortar” o tráfego on-line com os Estados Unidos por meio da construção de um cabo submarino entre Brasil e Europa.
Além disso, não havia muito em jogo na viagem. Era ilusório pensar que, do encontro de outubro, sairiam grandes decisões como o apoio de Obama à pretensão brasileira de ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, o fim da exigência de vistos para turistas ou um acordo comercial relevante. Com visita ou sem visita, com espionagem ou sem espionagem, empresas norte-americanas seguirão investindo no Brasil e brasileiros seguirão batendo recordes de gastos nos Estados Unidos (pois, apesar do IOF de 6,38% sobre compras com cartão de crédito no exterior, continua sendo vantajoso abastecer os guarda-roupas nos outlets da Flórida, graças à carga tributária brasileira).
Mas, apesar de considerarmos acertada a decisão de Dilma ao suspender a visita aos Estados Unidos, dois aspectos não podem passar despercebidos. O primeiro é o fato de a decisão ter sido tomada não em uma reunião ministerial, ou com o Itamaraty, ou mesmo com o assessor especial Marco Aurélio Garcia (que às vezes tem mais influência sobre a política externa brasileira que o próprio ministro das Relações Exteriores); Dilma resolveu adiar a viagem após ouvir o ex-presidente Lula, o presidente do PT, Rui Falcão, e seu marqueteiro, João Santana. O que dá a entender que o cálculo foi mais eleitoral que propriamente diplomático. Não passou batida a possibilidade de conquistar mais alguns votos entre eleitores nacionalistas e entre os antiamericanos, que consideram os Estados Unidos a fonte de todo o mal no planeta e imaginam que Washington dorme e acorda com a única obsessão de tomar dos brasileiros a Amazônia e o pré-sal.
Também é preciso lembrar que, se hoje o governo brasileiro resolveu falar grosso com os norte-americanos, em ocasiões anteriores a reação a agressões contra nossa soberania foi pífia, quase subserviente. Basta recordar os episódios da invasão de uma refinaria da Petrobras pelas Forças Armadas bolivianas, em 2007, ou as recentes estripulias protecionistas de Cristina Kirchner na Argentina, que vão erodindo as conquistas do Mercosul. No caso de Evo Morales, só faltou o então presidente Lula elogiar seu colega pela atitude. A julgar por esses episódios, aliados ideológicos do petismo teriam carta branca para agredir nossa soberania, enquanto dos demais se exigem explicações com veemência. Que o caso norte-americano marque o início de uma fase mais coerente da política externa brasileira.
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